Não é a intenção desse blog falar sobre música, embora sua autora seja grande entusiasta da mesma. É que às vezes a história da música e a história da fotografia se entrelaçam de maneira tão... bombástica, que fica impossível resistir.
Altamont, 1969. Um festival de música que pretendia ser o
“Woodstock da Costa Oeste” e acabou virando um símbolo do fim da inocência
hippie. Um show gratuito dos Rolling Stones no norte da Califórnia, segurança
feita pelos Hell's Angels (pagos com cerveja), confusão generalizada, facadas,
clima sombrio — e, no meio daquilo tudo, um fotógrafo californiano chamado Bill
Owens.
Bill Owens nasceu em 1938 na Califórnia e se tornou um
dos grandes cronistas visuais da vida americana. Começou como
fotojornalista de jornal local, mas seu olhar atento ao cotidiano — cheio de
ironia, empatia e precisão antropológica — o levou a produzir livros icônicos
como Suburbia (1973), Our Kind of People (1975) e Working
(1977). Ao longo das décadas, suas imagens captaram o espírito (e as
contradições) do chamado "american way of life". Owens se autodefine
como um “antropólogo visual”, e seu trabalho está presente em acervos do MoMA,
SFMOMA, Getty e outras instituições de peso.
Owens foi chamado de última hora para Altamont por um
colega da Associated Press que precisava de ajuda para cobrir o evento. Ele não
era fã dos Stones, nem estava à procura de comunhão psicodélica. Estava ali por
acaso — e acabou fazendo um registro singular de um momento que viraria lenda
(e trauma) da contracultura americana.
O livro Altamont 1969, publicado em 2016 pela editora
Damiani, tem projeto gráfico assinado por Claudia Zanfi, curadora do
arquivo de Owens desde 1999, e traz uma introdução do crítico Sasha
Frere-Jones, que traça um retrato ágil e contundente do festival. O design
é um caso à parte: cores desbotadas, tipografia de época, um convite direto aos
anos 70.
As fotos são boas — diretas, sóbrias, quase frias. Captam a
multidão entorpecida, os Angels armados de cassetetes, a tensão visível no ar.
Mas o livro deixa, sim, um certo gosto de “quero mais”. E com razão: quando
a situação começou a sair do controle, Owens decidiu ir embora. A banda Grateful
Dead, escalada para tocar antes dos Stones, também recuou. O clima estava
pesado demais.
Mais tarde, Owens emprestou seus negativos para um jovem
casal que planejava um livro sobre Altamont. A casa deles foi assaltada. Quase
todos os filmes foram roubados. Restaram apenas dois rolos — e são esses
fragmentos que compõem o livro de Owens. Por algum tempo, ele optou por não
assinar as imagens, temendo represálias dos Hell’s Angels.
Mesmo assim, o que ficou é potente. Um documento curto,
lacunar, mas cheio de implicações. Owens não dramatiza: observa. E esse olhar
contido, de quem não se deixa levar nem pelo horror nem pela nostalgia, é
talvez o que torna essas imagens tão instigantes.
O bom
O olhar de Owens, preciso e discreto, sem forçar drama. A
introdução contextualiza bem, e o projeto gráfico é um charme retrô
irresistível.
O ruim
Poucas fotos. A sensação de que falta um pedaço — e falta
mesmo.
O bonito
A frieza das imagens, que evitam glamourizar a tragédia. A honestidade do gesto documental. Owens não dramatiza, não posa de herói, apenas observa — e isso basta. Mesmo com poucos negativos sobreviventes, o que ficou é valioso: Altamont 1969 é um registro raro de um evento que já foi contado de mil formas, mas raramente com esse grau de simplicidade e crueza. É um livro imperfeito, sim — mas talvez nenhum outro consiga capturar tão bem o descompasso entre o sonho coletivo e a realidade brutal que o esmagou.
O feio
Altamont em si. A violência, o improviso, o desfecho amargo
de uma década que queria mudar o mundo com flores.
Veredito final.
Vale a pena?
Como documento histórico, como registro visual e como
livro-objeto, Altamont 1969 é uma peça singular. Fica aquele vazio de “e
se?”, mas talvez isso diga muito sobre o próprio festival. É uma narrativa
feita de ausências, de imagens salvas por pouco — e ainda assim, suficientes
para incomodar e fazer pensar.
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