“Cada retrato meu
é uma colaboração”. – Seydou Keita
“É preciso lembrar
que um bom fotógrafo também é um animal social... porque os clientes não veem
de verdade a câmera — eles veem você, o artista. É você o produto que estão
comprando. É como um cubo de açúcar no café: ele se dissolve e realça o sabor.
Um bom fotógrafo é aquele que conhece todo mundo.” - Malick Sidibé (1936-2016)
Mas se os coloco juntos neste post, não é só por afinidade
temática. É também porque um deles abriu caminho para o outro. Seydou Keïta
veio antes. Malick Sidibé veio depois. E o retrato, com eles, nunca mais foi o
mesmo.
Seydou Keïta (1921–2001)
Foi com uma Kodak de segunda mão, presente do tio, que Keïta
começou a fotografar. Autodidata e meticuloso, ele abriu seu estúdio em Bamako
no fim dos anos 1940 e se tornou o retratista mais requisitado da cidade. Seu
trabalho floresceu antes da independência do Mali, em 1960 — um detalhe que faz
toda a diferença: suas fotos não registram um país recém-livre, mas um povo
que já se sentia digno e moderno muito antes de isso virar manchete.
Keïta recebia famílias, casais, jovens sozinhos ou em grupo.
Oferecia acessórios — rádios, flores, óculos escuros, bicicletas — e até roupas
emprestadas, para que todos pudessem posar com a autoestima em alta. Os fundos
de tecido estampado, que mais parecem tapetes geométricos, viraram sua marca
registrada.
Seu olhar era refinado. Cada pose, cada olhar direto para a
câmera, parece cuidadosamente construído para que o retratado brilhe. E brilha
mesmo. Keïta devolveu às pessoas a imagem que o colonialismo havia negado: a de
uma África urbana, chique, articulada, dona de si.
O fotógrafo do
movimento
Malick Sidibé (c. 1935–2016)
Poucos anos depois da independência, um jovem chamado Malick
Sidibé abriu seu próprio estúdio em Bamako, em 1962. Já havia trabalhado como
assistente de um fotógrafo francês e aprendido a parte técnica, mas Sidibé
queria mais. Queria dançar junto com o país que dançava.
Se Keïta é o mestre da elegância formal, Sidibé é o gênio da
alegria em movimento. Suas fotos mostram jovens em festas, no rio, em
clubes noturnos, com calças boca de sino e camisas estampadas, dançando ao som
de James Brown ou dos Beatles. E mesmo no estúdio, suas poses têm um quê
performático: sorrisos, inclinações de corpo, pequenos saltos no tempo.
Sidibé foi influenciado por Keïta, sim — mas a juventude da
década de 60 exigia outro tipo de retrato. Um retrato que vibrasse junto, que
captasse o ritmo daquele Mali cheio de sonhos e liberdade.
DUAS GERAÇÕES, UM MESMO ORGULHO
Keïta e Sidibé não são opostos. São capítulos
consecutivos de uma mesma revolução visual. Um mostrou que o retrato podia
elevar, enobrecer. O outro mostrou que podia celebrar, dançar, brincar. Ambos
fizeram da fotografia um ritual coletivo de afirmação. E ambos nos deixaram um
legado que ainda hoje inspira fotógrafos do mundo todo — especialmente aqueles
que entendem que fazer um bom retrato é, antes de tudo, escutar o outro com
os olhos.
Essa talvez seja a grande força do trabalho de Keïta e
Sidibé: seus retratos não foram feitos para prêmios, galerias ou catálogos
internacionais — embora tenham acabado lá. Eles fotografavam para seus
próprios conterrâneos, em sessões muitas vezes feitas sob medida para
aniversários, casamentos, lembranças de família. Era fotografia africana
pensada para um público africano, e isso muda tudo. O gesto de posar para a
câmera virava também um gesto de afirmação: "é assim que eu quero ser
lembrado".
FOTOGRAFIAS DE SEYDOU KEITA
PARA SABER MAIS
Se quiser mergulhar mais fundo no universo desses dois
mestres da fotografia malinesa, aqui vão algumas boas portas de entrada:
- Fondation
Cartier – Foi uma das responsáveis pela redescoberta internacional de
Seydou Keïta e Malick Sidibé. Ambos tiveram exposições individuais por lá
nos anos 1990 e 2000. Vale visitar o site da fundação: fondationcartier.com
- Exposições
em Arles – O festival de fotografia de Arles (Rencontres d'Arles)
também dedicou retrospectivas importantes aos dois. Sidibé recebeu o Lion
d’Or por lá, e as fotos de Keïta causaram impacto imediato pela força
estética e histórica.
- Livro
"Seydou Keïta" (Steidl) – Uma publicação primorosa, com
ensaios críticos e reprodução de muitos dos retratos mais marcantes.
Disponível em bibliotecas ou online, se o bolso permitir. (Se não, o
Pinterest tá aí pra dar uma espiada...)
- Filme:
Malick Sidibé, le portrait d’un photographe – Um documentário
curto, mas muito bonito, sobre o processo criativo de Sidibé e o clima no
seu estúdio. Às vezes aparece completo no YouTube ou em plataformas de
arte.
Dica para quem
fotografa retratos
Quer tirar uma lição prática dessa dupla? Aqui vai:
Monte um pequeno estúdio com aquilo que você já tem — tecidos, objetos do
cotidiano, luz natural — e deixe a pessoa fotografada participar da criação da
imagem. O estúdio é um palco, mas o protagonista não é você.
VÍDEOS INTERESSANTES
Malick Sidibé – The Portrait of Mali
Malick Sidibé – O Olho de Bamako
LINKS
INTERESSANTES:
- You Look Beautiful Like That: A fotografia de retratos
de Seydou Keita e Malick Sidibé (exposição realizada em
diversas cidades dos EUA entre 2001 e 2003);
- Seydou Keita (exposição realizada no IMS
Paulista em 2018);
- Cronologia Seydou Keita (IMS);
- Perfil de Malick Sidbé no MoMA;
- Perfil de Sidibé no MAM-Rio;
- Perfil de Keita no
MAM-Rio;
- Relembrando
o fotógrafo Malick Sidibé, que capturou o espírito e estilo de Mali
(Slate);
- Mali
Twist (artigo do IMS sobre esse livro de Malick Sidibé);
- Photographs, Bamako, Mali 1948-1963 (artigo do IMS sobre esse livro de Seydou Keita)
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