Sunday, May 4, 2025

SEYDOU KEITA E MALICK SIDIBÉ

“Cada retrato meu é uma colaboração”. – Seydou Keita

“É preciso lembrar que um bom fotógrafo também é um animal social... porque os clientes não veem de verdade a câmera — eles veem você, o artista. É você o produto que estão comprando. É como um cubo de açúcar no café: ele se dissolve e realça o sabor. Um bom fotógrafo é aquele que conhece todo mundo.” - Malick Sidibé (1936-2016)

 Os dois fotógrafos mais celebrados do Mali têm muita coisa em comum: ambos usaram a fotografia para transformar o retrato em uma experiência de orgulho, beleza e afirmação. Ambos trabalharam em Bamako, em estúdios modestos que viraram templos da imagem africana moderna. E ambos foram redescobertos tardiamente pelo circuito internacional da arte, quando suas imagens já falavam sozinhas há décadas.

Mas se os coloco juntos neste post, não é só por afinidade temática. É também porque um deles abriu caminho para o outro. Seydou Keïta veio antes. Malick Sidibé veio depois. E o retrato, com eles, nunca mais foi o mesmo.

 O fotógrafo da elegância cotidiana

Seydou Keïta (1921–2001)

Foi com uma Kodak de segunda mão, presente do tio, que Keïta começou a fotografar. Autodidata e meticuloso, ele abriu seu estúdio em Bamako no fim dos anos 1940 e se tornou o retratista mais requisitado da cidade. Seu trabalho floresceu antes da independência do Mali, em 1960 — um detalhe que faz toda a diferença: suas fotos não registram um país recém-livre, mas um povo que já se sentia digno e moderno muito antes de isso virar manchete.

Keïta recebia famílias, casais, jovens sozinhos ou em grupo. Oferecia acessórios — rádios, flores, óculos escuros, bicicletas — e até roupas emprestadas, para que todos pudessem posar com a autoestima em alta. Os fundos de tecido estampado, que mais parecem tapetes geométricos, viraram sua marca registrada.

Seu olhar era refinado. Cada pose, cada olhar direto para a câmera, parece cuidadosamente construído para que o retratado brilhe. E brilha mesmo. Keïta devolveu às pessoas a imagem que o colonialismo havia negado: a de uma África urbana, chique, articulada, dona de si.

O fotógrafo do movimento

Malick Sidibé (c. 1935–2016)

Poucos anos depois da independência, um jovem chamado Malick Sidibé abriu seu próprio estúdio em Bamako, em 1962. Já havia trabalhado como assistente de um fotógrafo francês e aprendido a parte técnica, mas Sidibé queria mais. Queria dançar junto com o país que dançava.

Se Keïta é o mestre da elegância formal, Sidibé é o gênio da alegria em movimento. Suas fotos mostram jovens em festas, no rio, em clubes noturnos, com calças boca de sino e camisas estampadas, dançando ao som de James Brown ou dos Beatles. E mesmo no estúdio, suas poses têm um quê performático: sorrisos, inclinações de corpo, pequenos saltos no tempo.

Sidibé foi influenciado por Keïta, sim — mas a juventude da década de 60 exigia outro tipo de retrato. Um retrato que vibrasse junto, que captasse o ritmo daquele Mali cheio de sonhos e liberdade.

DUAS GERAÇÕES, UM MESMO ORGULHO

Keïta e Sidibé não são opostos. São capítulos consecutivos de uma mesma revolução visual. Um mostrou que o retrato podia elevar, enobrecer. O outro mostrou que podia celebrar, dançar, brincar. Ambos fizeram da fotografia um ritual coletivo de afirmação. E ambos nos deixaram um legado que ainda hoje inspira fotógrafos do mundo todo — especialmente aqueles que entendem que fazer um bom retrato é, antes de tudo, escutar o outro com os olhos.

Essa talvez seja a grande força do trabalho de Keïta e Sidibé: seus retratos não foram feitos para prêmios, galerias ou catálogos internacionais — embora tenham acabado lá. Eles fotografavam para seus próprios conterrâneos, em sessões muitas vezes feitas sob medida para aniversários, casamentos, lembranças de família. Era fotografia africana pensada para um público africano, e isso muda tudo. O gesto de posar para a câmera virava também um gesto de afirmação: "é assim que eu quero ser lembrado".

FOTOGRAFIAS DE SEYDOU KEITA


FOTOGRAFIAS DE MALICK SIDIBÉ

PARA SABER MAIS

Se quiser mergulhar mais fundo no universo desses dois mestres da fotografia malinesa, aqui vão algumas boas portas de entrada:

  • Fondation Cartier – Foi uma das responsáveis pela redescoberta internacional de Seydou Keïta e Malick Sidibé. Ambos tiveram exposições individuais por lá nos anos 1990 e 2000. Vale visitar o site da fundação: fondationcartier.com
  • Exposições em Arles – O festival de fotografia de Arles (Rencontres d'Arles) também dedicou retrospectivas importantes aos dois. Sidibé recebeu o Lion d’Or por lá, e as fotos de Keïta causaram impacto imediato pela força estética e histórica.
  • Livro "Seydou Keïta" (Steidl) – Uma publicação primorosa, com ensaios críticos e reprodução de muitos dos retratos mais marcantes. Disponível em bibliotecas ou online, se o bolso permitir. (Se não, o Pinterest tá aí pra dar uma espiada...)
  • Filme: Malick Sidibé, le portrait d’un photographe – Um documentário curto, mas muito bonito, sobre o processo criativo de Sidibé e o clima no seu estúdio. Às vezes aparece completo no YouTube ou em plataformas de arte.

Dica para quem fotografa retratos

Quer tirar uma lição prática dessa dupla? Aqui vai:
Monte um pequeno estúdio com aquilo que você já tem — tecidos, objetos do cotidiano, luz natural — e deixe a pessoa fotografada participar da criação da imagem. O estúdio é um palco, mas o protagonista não é você.

VÍDEOS INTERESSANTES

Malick Sidibé – The Portrait of Mali

Malick Sidibé – O Olho de Bamako

LINKS INTERESSANTES:

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