Philippe Halsman não queria apenas registrar rostos — ele
queria revelar o que há por trás deles. Ao longo de quatro décadas, desafiou a
fotografia de retrato com inteligência visual, senso de humor e um método
próprio de transformar ideias em imagem.
Sua abordagem inquieta o levou a inventar o que chamou de
“jumpology” (sim, ao pé da letra, "pulologia"), colaborar com
artistas como Salvador Dalí, fotografar campanhas publicitárias, capas de
revistas, personalidades da Broadway, da política e da arte — sempre com
energia, conceito e uma busca constante por novidade.
Halsman nasceu em Riga, em 1906, então parte do Império
Russo. Estudou engenharia elétrica, mas o encantamento pela fotografia falou
mais alto. Na década de 1930, já em Paris, abriu seu próprio estúdio de
retratos. Com uma câmera inovadora que ele mesmo projetou, fotografou figuras
como Marc Chagall e Le Corbusier. Seu nome começou a circular com força na
imprensa europeia.
Mas em 1938 sua trajetória sofreu uma reviravolta: foi preso
na Áustria, acusado da morte de seu pai em circunstâncias pouco claras. Após
quatro anos de mobilização internacional, intelectuais como Einstein e Freud
ajudaram em sua libertação. Com apoio direto de Albert Einstein, Halsman
conseguiu um visto emergencial e imigrou para os Estados Unidos em 1940.
Nos EUA, Halsman não demorou a se estabelecer. Fotografou
para Elizabeth Arden, mergulhou na cena da Broadway e rapidamente chamou
atenção da revista LIFE, onde assinaria mais de 100 capas. Sua clientela
incluía desde Marilyn Monroe a Alfred Hitchcock, de Audrey Hepburn a Einstein —
o mesmo que havia ajudado em sua chegada ao país.
A ideia de pedir para os modelos pularem surgiu por acaso, ao fotografar a Sra. Edsel Ford. O resultado foi tão espontâneo que virou uma obsessão de décadas. Com isso, Halsman criou imagens vibrantes e inesperadas que revelavam camadas mais sinceras da personalidade dos retratados.
Halsman sempre se cercou de mentes criativas. Em Nova York,
fez colaborações fotográficas com amigos e artistas, especialmente Salvador
Dalí. Em 1951, foi convidado pelos fundadores da Magnum Photos a integrar a
agência como “membro contribuinte” — um acordo pensado para permitir a
distribuição internacional de seu trabalho, especialmente fora dos Estados
Unidos. Essa parceria permanece ativa até hoje.
Morreu em 1979, deixando um legado que combina técnica
precisa, ideias ousadas e um senso de jogo com a imagem que ainda inspira.
DALÍ ATOMICUS E O LIVRO DE BIGODES
A parceria com Salvador Dalí durou quase 30 anos. Juntos,
construíram imagens delirantes sem recorrer à manipulação digital — apenas
encenação, cronômetro e muita persistência. A mais famosa delas, Dalí
Atomicus (1948), levou 26 tentativas para registrar Dalí, três gatos, uma
cadeira e vários litros d’água flutuando no ar. E sim, os gatos estavam vivos —
mas saíram correndo depois.
Esse espírito colaborativo culminou no livro Dali’s
Mustache, lançado em 1954, com 28 retratos que são quase esquetes visuais entre
o surrealismo e o teatro. É uma aula de conceito fotográfico disfarçada de
diversão.
RETRATOS COM FERNANDEL
Muito antes do TikTok nos ensinar a fazer caretas sincronizadas, Philippe
Halsman e o ator francês Fernandel já estavam se divertindo com isso nos anos
1940. A série de retratos que fizeram juntos é um desfile de expressões
exageradas, bocas abertas, olhos arregalados e puro timing cômico. Halsman
usava o rosto naturalmente caricatural de Fernandel como uma tela para
experimentar ângulos e poses que desafiavam o convencional — e o resultado é um
mix de retrato, teatro e cartoon. Foi ali que Halsman mostrou, mais uma vez,
que humor e psicologia podiam caminhar juntos em frente à câmera.
COMO TER IDEIAS NOVAS?
Halsman acreditava que boas ideias fotográficas vinham do
esforço consciente — e não de uma musa misteriosa. No artigo publicado pela
Magnum, ele afirma que a criatividade é uma construção, feita com perguntas,
métodos e trabalho. A fórmula era: provocar o cérebro com um problema visual,
imaginar o impossível e depois descobrir como tornar aquilo possível.
Essa metodologia foi aplicada em seus retratos mais
memoráveis — do rosto sério de Einstein à dança com gravidade invertida de
Dalí.
AS REGRAS DE HALSMAN
Um vídeo recente do canal Create With Tech fez uma
bela síntese das regras não escritas do estilo Halsman:
- Seja direto para criar uma foto forte
- Use luz, ângulo e composição de forma não convencional
- Adicione algo estranho, incomum ou fora de lugar
- Vá contra a expectativa do espectador
- Combine todos esses elementos para tornar a imagem ainda mais inusitada
- Mostre o assunto com clareza para ilustrar a mensagem
São diretrizes simples, mas que exigem pensamento
fotográfico sofisticado — exatamente como Halsman fazia.
No fim das contas, Halsman enxergava o retrato como uma
construção mental. Nada era feito por acaso, nem os pulos. Ele buscava
provocar, questionar e contar algo — às vezes com leveza, outras com
estranheza, mas sempre com clareza visual.
VÍDEOS INTERESSANTES
- A fotografia excêntrica e surreal de Philippe Halsman (Create With Tech):
- Por trás das câmeras na foto de Philippe Halsman (contém um vídeo com a filha de Halsman contando como foi fazer a foto Dalí Atomicus):
PARA SABER MAIS
- Philippe Halsman na Magnum Photos (com galeria de fotos);
- Como obter novas ideias fotográficas (Magnum Photos);
- Instagram oficial;
Seu trabalho é uma lembrança de que boas ideias valem mais do que equipamentos caros. E que, às vezes, a imagem mais verdadeira pode vir quando o fotógrafo pede ao modelo: “agora, pule”.
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