Sunday, August 10, 2025

O LAR ENTRE O ACONCHEGO E A PERTURBAÇÃO | THE PLEASURES AND TERRORS OF DOMESTIC COMFORT (MoMA, 1991)

Cindy Sherman, Untitled Film Still #, 1978

Como escrever sobre o espaço doméstico sem cair na armadilha da nostalgia? Como olhar para uma poltrona ou uma cama desfeita sem ativar automatismos afetivos, seja de ternura ou de tédio?

Em 1991, o Museum of Modern Art de Nova York apresentou a exposição The Pleasures and Terrors of Domestic Comfort, uma investigação visual curada por Peter Galassi sobre os paradoxos do lar contemporâneo. A mostra reuniu mais de 150 fotografias de cerca de 70 artistas — um mosaico de cenas íntimas, gestos interrompidos e silêncios que ecoam entre paredes familiares.

O ensaio curatorial de Galassi foi publicado em forma de catálogo na época, acompanhando a exposição. A versão impressa encontra-se atualmente esgotada, mas o MoMA disponibiliza o conteúdo completo em PDF através da página oficial da mostra. Um recurso raro e valioso, tanto para pesquisadores quanto para leitores atentos às camadas visuais e conceituais da fotografia contemporânea.

OS PRAZERES E OS TERRORES DO CONFORTO DOMÉSTICO

Curador-chefe do Departamento de Fotografia do MoMA entre 1991 e 2011, Peter Galassi foi uma das figuras centrais na valorização institucional da fotografia como arte contemporânea. Ao lado de nomes como John Szarkowski, consolidou uma abordagem curatorial que articulava tradição documental, experimentação formal e crítica cultural. Foi também um dos primeiros a reconhecer, no circuito americano, a relevância dos fotógrafos alemães formados sob influência de Bernd e Hilla Becher — nomes como Andreas Gursky, Thomas Struth e Thomas Ruff — cuja presença marcaria de forma decisiva a fotografia de museu nas décadas seguintes.

Em The Pleasures and Terrors of Domestic Comfort, sua atenção recaiu sobre o lar — não como símbolo de segurança, mas como espaço de tensões emocionais, sociais e visuais. Ele observou que muitos artistas da década de 1980 voltaram-se para o ambiente doméstico “não porque era importante, mas porque era lá” — o lugar mais acessível e, talvez por isso mesmo, mais revelador.

A exposição apresentou fotografias em cores e retratos — tanto documentais quanto encenados — que tratavam a casa não como refúgio idealizado, mas como cenário de fricções invisíveis. O lar como palco de drama íntimo e, em muitos casos, de silêncio opressor.

A CASA COMO CAMPO DE FRICÇÕES

Entre os destaques estavam obras de fotógrafos que trabalhavam com a linguagem documental, como William Eggleston, Doug DuBois, Tina Barney e Carrie Mae Weems, cujas imagens extraem densidade emocional de cenas aparentemente banais. Cozinhas iluminadas por luz natural, adolescentes em camas desfeitas, um forno aberto ou um gesto ambíguo na hora do jantar.

Em contraste, artistas como Cindy Sherman, Laurie Simmons e Jo Ann Callis se valeram da encenação, da construção visual e da ironia para desmontar os clichês da vida doméstica idealizada — herança da publicidade e da televisão pós-guerra. Nesses trabalhos, o lar deixa de ser espaço de segurança para tornar-se teatro do absurdo, metáfora do confinamento ou da alienação.

As obras em exibição propunham uma reflexão sobre o espaço doméstico como lugar de desejo e frustração, acolhimento e opressão, prazer e terror. A curadoria, embora sofisticada, foi posteriormente criticada por seu recorte social limitado, majoritariamente centrado em artistas brancos e de classe média. Figuras como Carrie Mae Weems e Marilyn Nance destoavam dessa homogeneidade, apontando para narrativas familiares negras que ainda eram — e continuam sendo — pouco visíveis no circuito institucional.

INFLUÊNCIA E DESDOBRAMENTOS

The Pleasures and Terrors of Domestic Comfort foi um marco na consolidação do lar como tema artístico relevante, abrindo caminho para uma série de produções e exposições que tratariam o cotidiano com igual seriedade estética.

A série Domestic (1998), de Catherine Opie, por exemplo, ecoa diretamente os questionamentos dessa mostra, propondo novos arranjos de afetividade e pertencimento nos lares queer americanos. Já artistas como Alec Soth reconheceram o impacto da exposição na legitimação de uma linguagem visual mais intimista e subjetiva.

O legado da mostra se prolonga também em outras instituições: a exposição Snapshots: The Photography of Everyday Life, realizada em 1998 no SFMoMA, e Cruel and Tender: The Real in the 20th Century Photography, no Tate Modern em 2003, foram fortemente influenciadas pelos caminhos abertos por Galassi ao trazer a vida privada para o centro do debate fotográfico contemporâneo.

Mary Frey, Women at Coffee Break, 1983
Tina Barney, The Landscape, 1988
Doug DuBois, My Sister Lise, 1984
Phillip-Lorca DiCorcia, Sergio and Totti, 1985


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