Monday, June 9, 2025

FOTOGRAFIA VERNACULAR

“Todos os tipos de fotografia são importantes. Para mim, a fotografia vernacular é essencial porque registra um momento, eventos importantes na vida das pessoas, enquanto muitas fotos documentais ou artísticas são produzidas com um propósito específico. Há uma urgência na fotografia vernacular que nem sempre se sente na fotografia profissional.” - Martin Parr

Fotografia vernacular é, em essência, a fotografia feita por pessoas comuns — ou seja, não necessariamente por fotógrafos, nem com pretensões artísticas, documentais ou jornalísticas. São imagens produzidas fora dos circuitos oficiais da arte e do fotojornalismo, muitas vezes com finalidades práticas: guardar memórias, marcar presenças, registrar acontecimentos cotidianos.

A palavra “vernacular” vem do latim vernaculus, que significa “doméstico, nativo, comum ao povo” — e aqui ela carrega o sentido de algo local, íntimo, feito na linguagem do dia a dia. Pense nas fotos de álbuns de família, retratos 3x4, formaturas, cartões-postais, registros de casamento em estúdio de bairro, polaroids coladas na geladeira. Mas também: selfies no espelho, cliques da sua cachorra dormindo em posições esquisitas, fotos de plantas com nomes engraçados, do jantar de sábado com os amigos, de um aniversário no quintal.

Quando alguém fotografa o que lhe é íntimo, com o celular mesmo, sem pensar em estética ou curadoria — só querendo guardar aquilo — está praticando fotografia vernacular. É uma linguagem espontânea, afetiva, e muitas vezes invisível. Mas é também um retrato precioso da nossa cultura visual e dos modos como nos relacionamos com a memória.

Exemplos de fotografia vernacular:

  • Fotos de família e de álbuns de infância
  • Polaroids e instantâneos
  • Registros escolares, de batizados, casamentos, festas infantis
  • Retratos de identificação (passaporte, RG, crachá)
  • Selfies, fotos de pets, plantas, comidinhas, mensagens no vidro do carro
  • Viagens registradas por turistas comuns, com poses clássicas e sorrisos cortados

As origens da Fotografia Vernacular

A fotografia vernacular surgiu quase simultaneamente ao nascimento da própria fotografia, no início do século XIX. Com a invenção do daguerreótipo por Louis Daguerre em 1839, a fotografia começou como um processo técnico complexo, acessível principalmente a profissionais e à elite. No entanto, rapidamente, entusiastas amadores começaram a experimentar com essa nova forma de capturar imagens, registrando cenas do cotidiano, familiares e amigos.

Conforme a tecnologia fotográfica evoluiu, tornando-se mais acessível e portátil, especialmente com a introdução das câmeras Kodak no final do século XIX, a prática da fotografia se democratizou. Pessoas comuns passaram a documentar suas vidas diárias, criando álbuns de família, retratos de viagens, festas e eventos locais. Essas imagens, muitas vezes despretensiosas e sem intenções artísticas, constituem o que hoje chamamos de fotografia vernacular.

O termo "vernacular" refere-se ao uso cotidiano e comum de uma linguagem ou prática. Na fotografia, isso se traduz em imagens que capturam a essência da vida diária, sem a intervenção de estéticas formais ou preocupações artísticas. São registros feitos por e para pessoas comuns, refletindo a cultura, os costumes e as experiências de diferentes épocas e comunidades.

Hoje, reconhecemos o valor histórico e cultural dessas fotografias vernaculares. Elas oferecem uma perspectiva íntima e autêntica da vida cotidiana ao longo do tempo, servindo como testemunhos visuais de práticas sociais, modas, relações familiares e eventos significativos que moldaram a sociedade.

Por que isso importa hoje?

Durante muito tempo, esse tipo de imagem foi tratado como “menor” — algo sem valor estético ou documental. Mas hoje, muitos pesquisadores e artistas olham pra fotografia vernacular como um baú riquíssimo de história visual e cultural. Ela mostra como as pessoas comuns viam o mundo, como queriam ser vistas e o que consideravam importante registrar. Além disso, muitos fotógrafos contemporâneos usam a estética vernacular como linguagem criativa.

Alguns projetos famosos de fotografia vernacular

Aqui vai uma seleção saborosa de projetos famosos (ou cult) que usam fotografia vernacular como ponto de partida, material bruto ou conceito central:

Erik Kessels – In Almost Every Picture

Um clássico moderno. Kessels é designer e colecionador compulsivo de fotos estranhas de álbuns de família, achadas em mercados de pulga. Vernacular com curadoria e humor. Muito humor. 

Cada livro da série traz uma obsessão vernacular específica, como:

  • uma mulher fotografada com o mesmo coelho de pelúcia por décadas,
  • um casal na mesma pose em viagens,
  • erros de laboratório que geram imagens “defeituosas” maravilhosas.


Veja mais aqui.

Thomas Sauvin – Beijing Silvermine

Um projeto insano: Sauvin resgatou mais de 850 mil negativos descartados de Pequim (1990–2005) antes que fossem derretidos por conta da prata presente no filme.
O resultado é um retrato íntimo da China urbana contemporânea pré-celular, em festas, banheiros, piscinas, casamentos e karaokês.

É vernacular e arqueologia urbana ao mesmo tempo. Veja mais aqui

Joachim Schmid – Pictures from the Street

Joachim é o padrinho intelectual da ideia de “reaproveitar” fotos anônimas como arte.
Nesse projeto, ele coleta fotos encontradas nas ruas, perdidas, amassadas, descartadas, e as organiza como se fossem um grande ensaio sobre a memória urbana.

Ele mesmo dizia:

"No new pictures until the old ones have been used up."


Larry Sultan – Pictures from Home

Aqui a vernacularidade vem de dentro da própria família: Sultan mistura fotos caseiras dos pais com retratos feitos por ele, criando uma narrativa íntima e ambígua.
O trabalho é ao mesmo tempo biografia e questionamento da memória familiar construída pela fotografia.

Veja mais aqui

Fotografia Vernacular em museus (sim, é coisa séria!)

A foto do seu avô na 4ª série pode estar em um museu! A “vernacular photography” virou campo de estudo e curadoria. Vários museus, coleções particulares e arquivos (como o Archive of Modern Conflict) mantêm acervos inteiros dedicados a esse tipo de imagem:

  • retratos de estúdio do início do século XX,
  • fotos de carteirinha,
  • fotografias escolares,
  • postais real-photo,
  • e outros registros cotidianos que antes seriam descartados ou ignorados.

Ou seja: a tal “foto banal” está ganhando lugar na história da fotografia.

SERÁ SUA FOTOGRAFIA VERNACULAR?

Pode ser. Já pensou nisso?

Se você fotografa momentos do cotidiano, pessoas próximas, situações banais do dia a dia, sem pensar em grandes conceitos ou preocupações estéticas... você já está flertando com a fotografia vernacular. Isso vale para aquele retrato rápido do seu pai sentado na varanda, a selfie no elevador, a mesa bagunçada do jantar de ontem. É o tipo de foto que não está buscando aplauso — está apenas registrando. E isso tem força.

Agora, se você usa a estética vernacular como recurso, mesmo com intenção artística ou autoral — aí é outra coisa. Parece vernacular, mas já virou linguagem construída. É como alguém que se veste "simples" só pra parecer despretensioso — já tem conceito por trás.

Como fazer fotografia vernacular?

A pergunta certa talvez seja: como reconhecer a fotografia vernacular no que você já faz?

Não existe técnica específica. A fotografia vernacular não se baseia em câmeras caras, pós-produção ou composições calculadas. Ela nasce do gesto espontâneo de registrar.

Quer experimentar? Use a câmera que estiver à mão. Fotografe em JPEG direto da câmera. Evite editar depois. Não pense no feed, nem no portfólio. Pense em imprimir/revelar e guardar. Pense em mostrar pra alguém importante daqui a dez anos.

E na prática?

Faça uma série de imagens do seu cotidiano — com sinceridade. Pode ser com o celular ou com a sua câmera compacta em modo automático. Tente evitar a tentação de “melhorar” as fotos depois. Não é sobre isso.

Você pode fazer:

  • Retratos informais de quem convive com você
  • Cenas da rua, do transporte, da espera
  • Objetos que fazem parte da sua rotina
  • Pequenos detalhes que passam batido
  • Situações banais que você já nem enxerga mais

Depois, olhe para esse conjunto como um álbum. Está aí uma fotografia sua — direta, pessoal, despretensiosa. Possivelmente vernacular.

Se quiser ir além, pense em materializar essas imagens.
Imprimir suas fotos — mesmo que em casa, em papel comum, coladas num caderno ou montadas num mini-álbum — pode reforçar o caráter vernacular do trabalho. A fotografia vernacular sempre teve uma dimensão tátil: era feita para ser tocada, mostrada, guardada na carteira ou pendurada na parede da sala. Trazer suas imagens para o mundo físico ajuda a enxergá-las com outro olhar. Dá peso, contexto, permanência. Às vezes, um JPEG no rolo da câmera não te diz nada..., mas impresso, vira memória.

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