"Quanto mais velho eu fico, mais perto (das pessoas) eu chego."
Os retratos de Bruce Gilden não pedem licença — eles invadem.
Com seu uso marcante do flash direto e do enquadramento extremo, o fotógrafo norte-americano construiu uma linguagem visual inconfundível, que chegou ao paroxismo em Face (2015), publicado pela editora britânica Dewi Lewis. A série, feita entre 2012 e 2014, reúne retratos realizados nos Estados Unidos, Reino Unido e Colômbia. São rostos fotografados a centímetros da lente, iluminados de frente, em imagens que dispensam cenário e contexto. O fundo desaparece. Resta a pele, os poros, os olhos, os dentes — ou a falta deles. As marcas do tempo não são suavizadas, mas amplificadas.
Essa abordagem, já presente em parte de seu trabalho anterior nas ruas de Manhattan, se concentra agora inteiramente no rosto do outro — ou, como sugere o título do livro, na face, esse termo genérico que diz tanto e tão pouco sobre quem somos. Em vez de flagrantes furtivos no meio da multidão, Gilden agora pede permissão e monta o retrato. Mas isso não significa suavidade: há algo quase cirúrgico nessa intimidade forçada, algo que transforma o retrato em um exame.
O escritor Chris Klatell, que assina o texto de apresentação de Face, observa que há nesses retratados algo de “família” para Gilden — não no sentido afetuoso, mas como reconhecimento de um pertencimento marginal. São pessoas à margem, invisibilizadas pelo olhar social dominante. E o fotógrafo não se coloca acima ou à parte: ele compartilha, se aproxima, mergulha.
A proposta é, obviamente, incômoda. Críticos como Sean O’Hagan (The Guardian) questionaram a ética do projeto: seria um gesto de empatia ou um novo tipo de espetacularização da exclusão? Afinal, há uma linha tênue entre visibilidade e voyeurismo, entre a representação digna e a exposição brutal.
Mas os retratos de Gilden não se deixam classificar facilmente. Eles desafiam. Interpelam. E, acima de tudo, deslocam o espectador do lugar confortável da contemplação. Quem somos nós, afinal, quando olhamos para esses rostos? E o que revelamos — sobre nós mesmos — quando desviamos o olhar?
Gilden nos obriga a sustentar o olhar. Seus retratos não oferecem beleza convencional nem conforto narrativo. Eles nos confrontam com a presença plena do outro, sem filtros ou eufemismos. A proximidade extrema e a iluminação dura não são apenas escolhas estéticas: são gestos radicais de atenção.
Ao reunir rostos ignorados ou rejeitados, o fotógrafo ergue um espelho torto, em que somos convidados a reconhecer não apenas a alteridade, mas também os limites da nossa empatia. Face não é um livro para ser folheado distraidamente — é um convite ao desconforto. E, nesse desconforto, talvez resida justamente o seu poder.
No comments:
Post a Comment