Tuesday, September 23, 2025

HILLA E BERND BECHER

“Trata-se de objetos, não de motivos. A fotografia é apenas um substituto para um objeto; ela é inadequada como imagem em seu sentido costumeiro.”- Hilla Becher

“Para mim, a fotografia é por natureza livre de ideologia. A fotografia carregada de ideologia se desfaz em pedaços.” - Bernd Becher

Dizem que fotografar é salvar do desaparecimento. Se isso for verdade, então Bernd e Hilla Becher foram dois dos maiores salvadores da história da paisagem moderna. Durante mais de quatro décadas, o casal alemão dedicou-se a construir um inventário sistemático das estruturas industriais que moldaram o século XIX — silos, chaminés, altos-fornos, torres de refrigeração, caixas-d’água, serrarias. Tudo aquilo que o progresso descartou, eles colocaram sob uma luz difusa e frontal, como num altar funcionalista.

Mas antes de se tornarem uma dupla inconfundível, Bernd e Hilla eram dois autores com trajetórias próprias — e diferentes.

Hilla Becher: método e olhar por trás da lente

Hilla Becher (1934-2015) nasceu em Potsdam. Formou-se em tipografia e depois em fotografia dentro do sistema profissionalizante alemão — uma formação técnica, orientada à prática de laboratório e à precisão formal. Trabalhou no estúdio Troost, especializando-se em cópias fotográficas de alta qualidade. Foi essa experiência que trouxe o rigor técnico à obra que viria a assinar em parceria com Bernd. Ao contrário do que muitas vezes se repete, Hilla não foi sua assistente: ela era coautora do projeto desde o início, responsável tanto pelo método quanto pela integridade visual das imagens. Hilla Becher foi, também, professora da Escola de Düsseldorf e uma referência intelectual para seus alunos.

Bernd Becher: a infância entre chaminés

Bernd Becher (1931-2007) nasceu na cidade industrial de Siegen, Alemanha. Cresceu cercado pelas estruturas cinzentas do pós-guerra — fábricas, minas, torres metálicas — que mais tarde se tornariam tema central de sua obra. Estudou pintura na Academia de Arte de Düsseldorf, mas percebeu que o desenho não dava conta de capturar a lógica e a presença da arquitetura industrial. Começou então a fotografar as construções como referência visual para seus quadros — até que a câmera, e não o pincel, se tornou seu instrumento principal.

A junção: casamento, método e obsessão compartilhada

Bernd e Hilla se conheceram em 1957, quando ele procurava alguém que o ajudasse a revelar negativos de suas primeiras incursões às regiões industriais do Ruhr. Encontrou nela não só uma técnica de laboratório — mas uma parceira de olhar. Casaram-se em 1961 e, a partir de então, trabalharam como uma unidade criativa, assinando juntos todos os projetos. A combinação entre o impulso visual de Bernd e o rigor metódico de Hilla deu origem a uma das obras mais consistentes e influentes da história da fotografia.

A lógica de trabalho era obsessiva: cada estrutura era fotografada em céu nublado, com distância constante, perspectiva frontal e ausência de sombras. Depois, essas imagens eram organizadas em grelhas de repetição e variação: os famosos typologies — ou tipologias — que revelavam padrões de forma, função e adaptação cultural. O que parecia banal se transformava em sistema. O funcional ganhava status de escultura.

Projetos e séries notáveis

Ao longo das décadas, Bernd e Hilla Becher produziram dezenas de séries que formam, juntas, um verdadeiro atlas da arquitetura industrial ocidental. Embora suas imagens sejam visualmente discretas, o projeto é ambicioso em escopo e precisão.

Entre seus conjuntos mais conhecidos estão:

Winding Towers (torres de ventilação e extração de minas), fotografadas principalmente na Alemanha e em partes do Reino Unido, revelando as diferenças regionais na construção de estruturas que serviam a funções idênticas.
Water Towers (torres d’água), talvez a série mais icônica da dupla, que os consagrou internacionalmente e foi publicada em livro homônimo em 1988. A tipologia mostra desde torres finlandesas a caixas d’água norte-americanas, sempre com enquadramento e distância constantes.
Framework Houses (casas enxaimel), um desvio do foco industrial para a arquitetura vernacular da região de Siegen — com o mesmo rigor de observação.
Blast Furnaces (altos-fornos), estruturas monumentais fotografadas em vários países europeus e também nos Estados Unidos, em paisagens que parecem saídas de um catálogo de ficção científica fabril.

Além das exposições, os Becher publicaram diversos livros que consolidaram seu legado como organizadores visuais de um mundo à beira do desaparecimento. Cada série é menos uma homenagem do que um ato metódico de preservação visual, livre de nostalgia, mas carregado de precisão.

Do inventário à influência: a fotografia como documento, método e escola

Nos anos 1970, o casal participou da exposição New Topographics: Photographs of a Man-Altered Landscape, que mudou o eixo da fotografia documental. Ao lado de nomes como Robert Adams, Stephen Shore e Lewis Baltz, os Becher ajudaram a deslocar o foco do drama humano para a transformação silenciosa da paisagem. Uma fotografia sem pathos, mas com precisão.

Mas foi como professores da Escola de Fotografia de Düsseldorf que Bernd e Hilla Becher plantaram uma das sementes mais duradouras da fotografia contemporânea. A disciplina que impunham, a clareza conceitual, o culto à repetição e à forma — tudo isso influenciou diretamente uma nova geração de fotógrafos, que levaria esses elementos a outras escalas e linguagens.

No próximo post, vamos seguir esse fio e explorar como figuras como Andreas Gursky, Candida Höfer, Thomas Struth e Thomas Ruff transformaram o método dos Becher em linguagem própria — e como curadores como Peter Galassi foram decisivos para consolidar esse novo momento da fotografia como arte contemporânea.

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