Saturday, May 17, 2025

OS RAIOS X DE NICK VEASEY

"Vivemos em um mundo obcecado por aparência. Eu quero olhar além da superfície." — Nick Veasey

Imagine poder revelar a verdadeira anatomia de um tênis, uma flor ou mesmo de um ônibus inteiro — não com bisturi, mas com feixes de elétrons atravessando a matéria. Agora imagine que essas imagens foram feitas não com luz visível, mas com raios-X — e ainda assim têm apelo estético, refinamento gráfico e, às vezes, até senso de humor. Esse é o universo do fotógrafo britânico Nick Veasey, nascido em 1962, em Londres. Um artista que revela o que está por dentro — dos objetos e, indiretamente, de nós mesmos.

Quem é Nick Veasey?

Veasey começou a experimentar com raios-X quase por acidente, ao fotografar uma lata de refrigerante para uma campanha publicitária. Mas o resultado revelou uma possibilidade visual tão inusitada que ele decidiu mergulhar nessa estética. Décadas depois, o que era uma curiosidade virou um estilo autoral que mistura arte, ciência e engenharia com um olhar irônico sobre o culto às aparências.

Apesar da sofisticação do seu trabalho, ouvir Nick Veasey falar é como conversar com aquele vizinho curioso que desmonta a torradeira e fica empolgado quando explica como ela funciona. Ele se descreve mais como um operador técnico do que como artista, e esse seu jeito torna tudo ainda mais fascinante: um artesão de laboratório que constrói beleza dentro de um bunker de concreto.

Ah, e caso alguém tenha um submarino sobrando por aí… fica o aviso: o sonho dele é fazer um raio-X de um!

Como as imagens são feitas?

A técnica, que parece saída de um manual secreto da CIA, é extremamente controlada. Veasey fotografa os objetos em um bunker com paredes espessas de concreto, onde pode operar máquinas de raio-X com segurança. Dependendo do tamanho do objeto, ele precisa fazer múltiplos registros em partes — como um scanner de corpo inteiro em slow motion — e depois recompor tudo digitalmente, camada por camada.

Por exemplo, para criar a imagem de um Boeing 777, ele não passou o avião por um scanner gigante (ufa!). Em vez disso, fotografou seções de peças reais e reconstruiu digitalmente o avião — algo que gerou críticas e mal-entendidos, mas também revela o grau de engenhosidade do projeto.

As imagens finais muitas vezes recebem coloração digital, não para embelezar, mas para realçar estruturas e planos. O resultado é uma mistura precisa de ciência forense com arte contemporânea — como se Eadweard Muybridge tivesse acesso a tecnologia hospitalar e um contrato com a Saatchi Gallery.

Impressões lenticulares: movimento em ossos

Um dos desdobramentos mais interessantes do trabalho de Veasey são suas impressões lenticulares — imagens compostas por duas ou mais camadas fundidas, cobertas por uma lente plástica (PETG) que cria a ilusão de movimento conforme o espectador muda o ângulo de visão.

Ele explica:

“Nossas imagens lenticulares de raio-X dão a ilusão de movimento ao unir duas ou mais imagens diferentes. A lente PETG sobre a imagem faz com que o espectador veja uma imagem diferente conforme o ângulo. É curioso que esse movimento traga nossos cadáveres radiografados à vida.”

Além do impacto visual, a escolha de retratar ícones culturais em radiografia — com ossos, cavidades e costelas no lugar de glamour — reforça seu lema constante: “Por dentro, somos todos iguais.”

Process Gallery: o laboratório por trás da arte

Em 2018, Nick Veasey inaugurou a Process Gallery, um espaço multifuncional que combina estúdio, galeria e laboratório de raio-X, localizado em Lenham, no interior de Kent, Inglaterra. O edifício, projetado pelo renomado escritório Guy Hollaway Architects, foi construído no local de um antigo galpão agrícola e ganhou destaque por sua arquitetura singular, que mescla elementos industriais e formas inspiradas nas tradicionais "oast houses" britânicas.

O destaque da Process Gallery é a câmara de raio-X em forma de pirâmide, feita de concreto espesso, que absorve a radiação e permite a Veasey criar suas imagens com segurança. Além disso, a galeria abriga exposições de outros artistas contemporâneos que exploram processos criativos inovadores, alinhando-se à proposta de revelar o que está além da superfície.

O que ele está nos mostrando?

Há, claro, uma dimensão visual impactante. As imagens de Veasey são limpas, simétricas, detalhistas. Mas também há uma camada conceitual: ao tornar visível o que normalmente é invisível, ele propõe uma crítica ao culto da aparência. “Vivemos em um mundo que valoriza o que está na superfície. Quero mostrar o que está por dentro”, ele costuma dizer.

Essa abordagem se alinha com uma tendência crescente na fotografia contemporânea: a de expandir o campo da imagem para além da luz visível, incorporando dados, espectros e técnicas que antes eram exclusivas de áreas técnicas. Em tempos de sobrecarga visual, Nick Veasey oferece um tipo diferente de olhar: um que não se contenta com a primeira camada.

Conclusão

Nick Veasey talvez não se veja como um artista no sentido tradicional. Mas é justamente sua mente analítica — quase de engenheiro de garagem — que dá força ao trabalho. Ele transforma o invisível em imagem e, ao fazer isso, reverte a lógica do espetáculo visual: mostra que, mesmo na era do excesso de selfies, o que está por dentro ainda pode nos surpreender.

Seja radiografando um ônibus, um botão de rosa ou o esqueleto de Elvis, Veasey nos convida a fazer o que pouca gente faz hoje: olhar além da superfície.

Veja outros trabalhos de Nick Veasey na galeria do site oficial dele.

PARA CONHECER MAIS:

  • Site Oficial de Nick Veasey: Aqui você encontrará uma galeria completa de suas obras, informações sobre exposições e detalhes sobre sua abordagem artística.
  • Processo Criativo: Uma visão detalhada de como Veasey cria suas imagens de raio-X, incluindo fotos do estúdio e explicações sobre os equipamentos utilizados.
  • Entrevista na Visual Atelier 8: Uma conversa interessante onde Veasey discute sua filosofia artística e o impacto cultural de seu trabalho.
  • Artigo na Visualflood: Uma análise sobre como Veasey utiliza a fotografia de raio-X para revelar detalhes ocultos e estruturas internas de objetos diversos. 
  • Artigo na Wired: Uma reportagem detalhada sobre o processo de criação de Veasey, incluindo informações sobre a segurança envolvida e os desafios técnicos.

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