Tuesday, June 17, 2025

ALFRED STIEGLITZ

“Onde há luz, pode-se fotografar.” – Alfred Stieglitz

Se Alfred Stieglitz fosse vivo hoje, ele provavelmente não teria uma conta no Instagram. Não por esnobismo – embora esnobe ele fosse mesmo, em certa medida – mas porque veria no scroll infinito uma afronta ao que passou a vida inteira tentando provar: que fotografia é arte.

Alfred Stieglitz nasceu em 1864, em Hoboken, New Jersey. Filho de imigrantes alemães abastados, teve acesso à melhor educação que o dinheiro podia comprar. E o dinheiro comprou, entre outras coisas, uma temporada em Berlim, onde ele estudou engenharia e onde aprendeu fotografia com o Dr. Hermann Willhelm Vogel na Technische Hochshule.

Foi na Alemanha que Stieglitz aprendeu a expor chapas de vidro em nevascas, só para provar que conseguia. Já aí você percebe que não estamos falando de alguém casualmente interessado na fotografia. Ele era obcecado, meticuloso, quase clínico. Mas também tinha algo de profeta: não bastava fotografar, era preciso evangelizar.

Na virada do século XX, a fotografia ainda lutava para ser levada a sério no mundo da arte, e o movimento dominante entre os fotógrafos-artistas era o pictorialismo — uma estética inspirada na pintura, que buscava suavizar os contornos da realidade com foco desfocado, manipulação no laboratório e composições idealizadas. A ideia era aproximar a fotografia da tradição romântica e impressionista, em vez de documentar o mundo como ele é. Foi esse estilo que Stieglitz conheceu e adotou na Europa, especialmente na Alemanha, onde se formou tecnicamente e artisticamente.

De volta aos EUA, começou a construir o que viria a ser sua verdadeira obra-prima: uma vida inteira dedicada a provar que a fotografia era uma arte legítima. Ele, então, se tornou um dos principais expoentes do pictorialismo nos Estados Unidos.  

Em 1902, fundou a Photo-Secession, um grupo de fotógrafos que, como ele, acreditava que a fotografia deveria ser reconhecida como arte autoral e subjetiva — não apenas um registro técnico da realidade. Inspirado pelas secessões artísticas europeias, como a de Viena, o movimento representava um rompimento com os clubes fotográficos conservadores. Era uma secessão estética e ideológica. O nome dizia tudo: romper para afirmar.

Depois, veio a Camera Club of New York, a revista Camera Work, e, mais decisivamente, a galeria 291, na Quinta Avenida. Ali, ele começou a pendurar fotografia nas paredes com a mesma seriedade com que se pendurava Cézanne. E, de quebra, também pendurou Cézanne. Sim, Stieglitz foi responsável por introduzir a arte moderna europeia ao público americano. Kandinsky, Rodin, Matisse — todos tiveram seu momento em 291, muitas vezes pela primeira vez em solo americano. Ele foi curador antes da palavra virar cargo; um agitador cultural que usava a fotografia como estilingue.

Como fotógrafo, seu percurso começou no pictorialismo — aquela estética nebulosa, meio impressionista, que fazia com que tudo parecesse envolto em véu de linho fino. Mas, aos poucos, ele abandonou a névoa em busca de algo mais direto, mais honesto, mais... moderno. O ponto de virada? A imagem hoje canônica chamada The Steerage (1907). Um navio lotado de imigrantes, um jogo de luz e sombra, linhas diagonais cortando o quadro como uma partitura visual. É considerada, com razão, uma das primeiras fotografias verdadeiramente modernistas. E ele a fez antes mesmo de saber o que o modernismo seria.

Stieglitz não era fácil. Tinha o charme de um professor exigente e o ego de um diretor de orquestra que sabe que está certo. Brigava com críticos, protegia seus artistas e cultivava uma rede de talentos. Um desses talentos era Georgia O’Keeffe, que se tornaria sua companheira e, com o tempo, uma das maiores artistas americanas do século XX. A relação entre os dois seria feita de cartas, retratos e um tipo de admiração que beirava a combustão.

Notas sobre uma parceria artística

A história entre Alfred Stieglitz e Georgia O’Keeffe é muitas vezes contada como um grande romance. Mas, do ponto de vista da história da arte, o que realmente importa é que foi uma aliança estética e institucional — poderosa e mútua.

Stieglitz conheceu O’Keeffe em 1916, quando ela ainda era uma artista em formação. Ele viu seus desenhos através de um amigo em comum e ficou imediatamente impressionado. Sem sequer consultá-la, exibiu os trabalhos dela em sua galeria 291. Um gesto típico de Stieglitz: visionário e autoritário na mesma medida.

Logo depois, ela entrou em sua vida — pessoal e profissional. Ele a fotografou obsessivamente (mais de 300 imagens ao longo de duas décadas), ela se tornou sua musa, companheira e, eventualmente, esposa. Mas reduzir O’Keeffe a musa seria cometer o tipo de erro que ambos desprezavam.

Ele foi responsável por lançar seu nome no circuito artístico. Ela, por sua vez, não apenas consolidou sua própria carreira com um estilo inconfundível — grandes flores, desertos, formas quase abstratas — como também trabalhou incansavelmente para preservar o legado de Stieglitz depois da morte dele, em 1946.

Foi ela quem organizou seus arquivos, suas cartas, seus negativos. Foi ela quem negociou com instituições, museus, fundações. Se hoje Alfred Stieglitz ocupa seu lugar na história da arte com tamanha solidez, é em parte porque Georgia O’Keeffe fez questão de que ele fosse lembrado.

Ele a promoveu. Ela o canonizou.

Nos anos finais, ele se voltou para o céu. Literalmente. Fotografou nuvens — muitas nuvens — em uma série que chamou de Equivalents. Imagens abstratas, sem horizonte, sem chão, sem nada que pudesse ancorar o olhar. Só formas, luz, intenção. Foi talvez seu gesto mais ousado: transformar o céu em argumento visual de que a fotografia podia expressar emoções puras, sem representar coisa alguma.

Stieglitz morreu em 1946, em Nova York, ainda rodeado de controvérsias, arte e convicções. Nunca foi um santo da fotografia — mas foi seu advogado, arquiteto e, em muitos sentidos, seu pai fundador.

Ele queria mais da fotografia do que o mundo estava disposto a oferecer. Ainda bem que ele não se deu por satisfeito.

No comments:

Post a Comment