Sunday, July 27, 2025

DOROTHEA LANGE

“Escolha um tema e trabalhe nele até a exaustão… o assunto precisa ser algo que você ame profundamente ou odeie profundamente.” - Dorothea Lange

Em 1936, uma mulher para o carro na beira da estrada, na Califórnia, e vê uma mãe com sete filhos, famintos. Ela tira cinco fotos com uma câmera Graflex 4x5. A terceira imagem, a mais célebre, torna-se um símbolo da Grande Depressão. A mulher na foto é Florence Owens Thompson. A fotógrafa é Dorothea Lange. E ali se cristaliza mais do que uma imagem icônica: se consagra uma forma de ver. Uma ética. Uma urgência. Um legado.

Dorothea Lange (1895–1965) não foi apenas uma das grandes damas da fotografia documental — ela foi uma das fundadoras de um jeito de narrar o mundo através da lente, com empatia, atenção e propósito. Seus retratos dos trabalhadores migrantes, desempregados e deslocados pela seca nos EUA não apenas denunciaram as injustiças sociais, mas também redesenharam a forma como a fotografia poderia servir ao bem comum.

A fotografia como ferramenta de transformação

Filha de imigrantes alemães, Lange cresceu em Nova York, onde estudou fotografia com Clarence H. White, um dos fundadores da Photo-Secession ao lado de Alfred Stieglitz. Aos 23 anos, mudou-se para San Francisco, abriu um estúdio de retratos e logo se tornou uma fotógrafa requisitada pela elite. Mas algo mudou durante a Grande Depressão. Ela começou a sair às ruas com a câmera nas mãos e o coração atento às dores que os jornais ignoravam.

Em 1935, foi convidada a integrar a equipe da Farm Security Administration (FSA), o lendário programa do governo Roosevelt que contratou fotógrafos para documentar as consequências da crise econômica em zonas rurais. Ao lado de nomes como Walker Evans, Gordon Parks e Ben Shahn, Lange viajou pelos Estados Unidos produzindo imagens que ainda hoje moldam nosso imaginário sobre o período. Mas ao contrário de muitos colegas homens, ela não buscava a "composição perfeita". O que interessava a Lange era o vínculo com o retratado. Seu trabalho foi uma espécie de escuta visual.

Migração, exclusão e humanidade

Se “Migrant Mother” virou seu retrato mais famoso, outras séries igualmente potentes marcaram sua carreira. Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, Lange foi contratada para fotografar o processo de internação forçada de nipo-americanos — cidadãos dos EUA tratados como inimigos após o ataque a Pearl Harbor. Suas fotos, sensíveis e críticas, foram censuradas na época e só vieram a público décadas depois. Ali, Lange mais uma vez recusa o espetáculo da dor e opta por imagens que restauram a dignidade dos fotografados, mesmo em meio à violência institucional.

Outro projeto significativo foi sua colaboração com o economista Paul Taylor, que se tornaria seu segundo marido. Juntos, publicaram An American Exodus: A Record of Human Erosion (1939), um dos grandes livros da história da fotografia documental — uma obra que mistura texto, depoimentos e imagens para contar a história dos deslocamentos forçados nos EUA.

Fortificar a imagem

Sobre palavras que cercam a fotografia como quem cerca uma casa antes da tempestade.

“Todas as imagens podem ser fortificadas por palavras”, afirmou Dorothea Lange. A frase, concisa e certeira, revela uma compreensão profunda do poder combinado da imagem e da linguagem. Não se trata de limitar a fotografia com explicações, mas de reconhecer que algumas imagens precisam de palavras como a pele precisa do osso: para sustentar, proteger, dar forma.

A imagem emociona, comove, prende o olhar — mas a palavra ancora. Constrói pontes entre o que se vê e o que se compreende. Torna possível a permanência de uma história que, sem contexto, correria o risco de virar puro símbolo ou ruído visual. No trabalho de Lange, esse cuidado se manifesta de forma exemplar: suas fotografias frequentemente vinham acompanhadas por nomes, datas, lugares, trechos de depoimentos. Cada legenda era um contrapeso ético à beleza formal da imagem.

Em tempos de excesso visual e leitura apressada, a reflexão permanece urgente. As palavras não servem apenas para descrever; elas podem restaurar, proteger, contextualizar. Fortificar. Como as estacas que cercam uma casa antes da tempestade, o texto pode amparar a fotografia diante do esquecimento ou da distorção. É nesse entrelaçamento que a imagem encontra não um limite, mas uma expansão.

Um olhar que continua a nos desafiar

O legado de Dorothea Lange não cabe numa legenda. Sua importância ultrapassa a história da FSA, dos anos 1930 ou das crises sociais que documentou. O que ela deixou foi um exemplo de como a fotografia pode se colocar no mundo: não como testemunha neutra, mas como agente de escuta e intervenção. Ela entendeu antes de muitos que fotografar é, também, um ato político.

Nos seus últimos anos, Lange foi uma das fundadoras da revista Aperture e preparava uma grande retrospectiva para o MoMA — que acabou sendo realizada postumamente, em 1966. Hoje, ela é celebrada como uma das maiores fotógrafas do século XX, mas também como uma voz fundamental na defesa da dignidade humana.

“Uma câmera é uma ferramenta para ensinar as pessoas a verem sem uma câmera”, escreveu ela. E talvez seja essa a chave para entender seu legado: Lange não queria apenas fotografar o mundo — ela queria que o víssemos com mais compaixão, mais clareza, mais responsabilidade.

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1 comment:

  1. Parabéns, Gigi! Estou adorando as leituras.
    Comecei com as publicações sobre fotos em preto e branco para inspirar-me.
    Realmente, um presente para os amantes da fotografia.
    Obrigada!

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