Thursday, July 24, 2025

TURISMO DA DESOLAÇÃO | AMBROISE TÉZENAS

Chernobyl, na Ucrânia

Ambroise Tézenas (n. 1972, Paris) é um fotógrafo francês cuja formação em artes visuais foi moldada por estudos na École des Arts Appliqués e no London College of Printing. Seu trabalho se destaca pela intersecção entre paisagem, arquitetura e memória coletiva. Ao longo das últimas décadas, Tézenas consolidou uma produção autoral consistente, presente em coleções públicas como a da Bibliothèque Nationale de France, além de colaborar com publicações de prestígio como The New Yorker, Le Monde e The Independent Magazine. Seu olhar é meticuloso, por vezes desconcertante, e frequentemente voltado às camadas invisíveis que moldam nossa experiência dos espaços.

Entre seus projetos mais provocadores, destaca-se I Was There (2015), ensaio que investiga o chamado “dark tourism” — termo cunhado por J.J. Lennon, professor da Universidade de Glasgow, para designar o fenômeno do turismo em locais marcados por tragédias. Durante seis anos, Tézenas percorreu o mundo visitando destinos onde o horror, a destruição ou a morte se tornaram atração para visitantes. O pacto era claro: ele deveria agir como um turista qualquer, fotografando apenas o que estivesse acessível ao público comum — sem credenciais de imprensa, sem bastidores.

A gênese do projeto remonta a uma experiência pessoal. Em dezembro de 2004, Tézenas passava férias no Sri Lanka quando foi surpreendido pelo tsunami que devastou o sudeste asiático. A tragédia matou centenas de milhares de pessoas, entre elas os passageiros do trem da rota Colombo–Galle, arrastado pelas ondas e lançado selva adentro, onde seus vagões permaneceriam como ruínas silenciosas de um desastre. Tézenas, alojado numa região elevada, testemunhou de perto a devastação e o luto que se espalhou pelo país. Anos depois, ao ler que os destroços daquele trem haviam se tornado ponto de peregrinação, ele se viu tomado por uma pergunta perturbadora: O que leva alguém a visitar um local onde viu tanta gente morrer? O que essas pessoas procuram ali?

Guiado por sugestões do próprio Lennon, Tézenas visitou lugares como Chernobyl, na Ucrânia, onde explosões e radiação transformaram a cidade de Pripyat em um marco global do colapso tecnológico. Esteve também no hotel onde Benazir Bhutto foi assassinada, no Paquistão, e no museu instalado no antigo centro de detenção e tortura do Khmer Vermelho, no Camboja. Outro cenário retratado é a cidade de New Orleans após o furacão Katrina, em que os sinais da destruição foram convertidos em parada obrigatória para ônibus turísticos.

A lente de Tézenas não procura o sensacionalismo. Ao contrário: é a aparente normalidade da visitação — o cordão de isolamento, a trilha sinalizada, a lojinha de souvenires — que se impõe como denúncia silenciosa. Suas imagens oferecem uma meditação visual sobre a espetacularização da tragédia e o embaraço moral que ela provoca. Como bem observou Dorrit Harazim, que escreveu sobre o projeto em sua coluna para a revista ZUM (14/09/2015), I Was There "nos confronta com a demanda de um mercado crescente de consumidores que anseiam por vivenciar, mesmo à distância segura, os resquícios do sofrimento alheio".

Esse ensaio sobre Tézenas está entre os muitos casos que Harazim costurou com rigor e sensibilidade em seu livro O Instante Certo (Companhia das Letras, 2016) — uma leitura altamente recomendada para quem busca compreender o alcance e as contradições éticas da fotografia documental contemporânea. Mas o trabalho de Tézenas se sustenta por si só como um comentário incisivo sobre o presente: um tempo em que a dor alheia, desde que bem iluminada, parece sempre prestes a virar atração.

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