Tuesday, April 15, 2025

EADWEARD MUYBRIDGE - O HOMEM QUE CONGELOU O TEMPO

"Apenas a fotografia pode responder àquilo que o olho humano não consegue ver." — Eadweard Muybridge

Em um mundo cada vez mais acostumado a vídeos em câmera lenta e loops infinitos de imagens, é fácil esquecer que, em algum momento da história, registrar o movimento era simplesmente impossível. Foi nesse cenário que surgiu Eadweard Muybridge, um fotógrafo britânico que transformou uma dúvida sobre cavalos em uma revolução visual. Seu trabalho lançou as bases para o cinema, influenciou artistas e cientistas, e permanece até hoje como uma referência incontornável quando o assunto é movimento na fotografia.

UM FOTÓGRAFO ENTRE A ARTE E A CIÊNCIA

Eadweard Muybridge nasceu na Inglaterra em 1830, com o nome mais simples de Edward Muggeridge — que mais tarde reinventaria para a forma arcaica e dramática pela qual ficou conhecido. A mudança de nome parece ter sido o primeiro de muitos gestos que revelam seu espírito inquieto, ousado e absolutamente fora do comum.

Muybridge não se contentava com a fotografia como mero retrato da realidade. Ele buscava expandir seus limites, explorar aquilo que o olho humano não conseguia captar. E foi assim que, em 1872, recebeu uma missão incomum que marcaria sua carreira — e a história da imagem em movimento.

A DÚVIDA QUE VIROU EXPERIMENTO: O CAVALO NO AR

O empresário e político americano Leland Stanford queria provar uma hipótese: durante o galope, haveria um instante em que as quatro patas do cavalo saíam do chão? Era impossível comprovar isso apenas observando a olho nu — e aí entrou Muybridge, com uma solução inovadora.

Ele desenvolveu um sistema com múltiplas câmeras dispostas em sequência, ativadas automaticamente à medida que o cavalo passava. O resultado foi uma série de imagens que, além de confirmar a teoria de Stanford, revelaram algo muito maior: a fotografia podia ser usada não apenas para congelar um instante, mas para dissecar o tempo.

A INVENÇÃO DA CRONOFOTOGRAFIA

A sequência de imagens obtida por Muybridge inaugurou o que chamamos hoje de cronofotografia — o registro do movimento em etapas visíveis. Esse trabalho não apenas encantou o público, como inspirou cientistas, médicos, engenheiros e artistas.

Muybridge levou sua pesquisa adiante com o desenvolvimento do zoopraxiscópio, um dispositivo capaz de projetar essas imagens em sequência, criando uma ilusão de movimento contínuo. Foi uma das primeiras tentativas bem-sucedidas de exibir imagens em movimento — anos antes da invenção do cinema como o conhecemos.

Seu interesse pelo movimento era tão amplo que ultrapassava o corpo humano e os animais. Ele também aplicou seu olhar sistemático a fenômenos da natureza, registrando o deslocamento das nuvens e o balançar das árvores ao vento — como observa Susan Sontag, uma tentativa ambiciosa de capturar até mesmo o que o tempo desfaz rapidamente. Era uma busca quase poética por uma ordem visual no que é transitório por definição.

UMA VIDA DE CONTRASTES

A trajetória de Muybridge é marcada por descobertas técnicas importantes, mas também por episódios pessoais intensos. Em 1874, ele matou um homem que mantinha um caso com sua esposa. O julgamento chamou atenção nacional nos Estados Unidos, e ele foi absolvido sob a alegação de crime passional. Apesar da controvérsia, esse episódio não impediu que continuasse trabalhando — e inovando.

NUVENS, PSEUDÔNIMOS E O RETORNO AOS EUA

Em 1875, pouco depois de ser absolvido pelo assassinato do amante de sua esposa, Muybridge deixou os Estados Unidos — uma partida que pareceu, no mínimo, conveniente. Viajou para a América Central, onde adotou o nome Eduardo Santiago Muybridge, numa espécie de exílio voluntário. Foi nesse período que ele começou a fotografar nuvens e paisagens tropicais, registrando com delicadeza a efemeridade do céu e da natureza em movimento.

Mais do que simples registros documentais, Muybridge passou a criar montagens com essas imagens de nuvens, combinando-as com paisagens feitas em outro momento. O resultado eram composições que iam além do realismo fotográfico, construídas com uma intenção quase pictórica — manipulando o céu como um elemento emocional, atmosférico, expressivo.

Ao retornar aos Estados Unidos, retomou suas colaborações com Leland Stanford, agora totalmente voltado aos estudos do movimento animal. Essas experiências dariam origem às sequências fotográficas que o tornariam célebre e que ajudariam a lançar as bases do cinema.

INFLUÊNCIA E LEGADO

O impacto do trabalho de Muybridge se estende por diversas áreas. Seu estudo sistemático do movimento humano e animal influenciou artistas como Duchamp, Francis Bacon, Degas e Eadweard Weston, além de ser fonte de inspiração para cineastas, animadores e fotógrafos contemporâneos. Seu livro Animal Locomotion, publicado em 1887, reúne centenas de sequências e segue sendo um material de referência para pesquisadores e criadores visuais até hoje.

Muybridge faleceu em 1904, mas deixou um legado que atravessa a história da fotografia, do cinema e da arte em geral. Sua busca por entender e representar o tempo continua reverberando em tudo o que fazemos quando clicamos em sequência, criamos um stop motion ou assistimos a um vídeo em câmera lenta.

SABIA QUE...?

  • Muita gente considera Eadweard Muybridge o “avô do time-lapse” — mesmo que ele nunca tenha usado esse termo ou essa técnica como conhecemos hoje. Enquanto o time-lapse moderno acelera o tempo (mostrando uma flor desabrochando ou o céu mudando em segundos), Muybridge fazia o caminho inverso: desacelerava movimentos rápidos, como o galope de um cavalo, para revelar o que o olho humano não conseguia ver.
  • O zoopraxiscópio foi a invenção de Eadweard Muybridge que antecipou o cinema! Criado em 1879, ele era um dispositivo que usava discos giratórios com imagens sequenciais e projetava essas imagens em movimento, criando uma ilusão de animação. Era um tipo de projetor primitivo, muito antes dos irmãos Lumière. E o mais legal: ele foi usado por Muybridge em palestras públicas, onde ele mostrava seus estudos do movimento de cavalos e outros animais, unindo ciência e arte numa apresentação fascinante.

Foi uma das primeiras tentativas de traduzir o tempo em imagem — e essa obsessão visual por registrar a passagem do tempo inspiraria não só o cinema, mas também o stop motion, a animação e, claro, o próprio time-lapse. Uma verdadeira árvore genealógica da imagem em movimento… com Muybridge lá no topo, de chapéu e expressão séria.

Dica para explorar mais: O trabalho de Muybridge está amplamente disponível em acervos digitais. Vale a pena buscar Animal Locomotion e observar como ele organizava visualmente cada série — não apenas como documento científico, mas como composição estética.



VÍDEOS INTERESSANTES:

  • Neste vídeo, as fotografias de movimento de Muybridge são explicadas em detalhes — e é impressionante ver as técnicas que ele desenvolveu (ou adaptou) para realizar seus experimentos quase dois séculos atrás, numa época em que a fotografia ainda dava seus primeiros passos.
  • O Zoopraxiscópio de Muybridge:
  • O inventor e o magnata: o escritor Edward Ball conta a história do relacionamento entre Muybridge e Stanford e como as duas figuras históricas foram fundamentais, um para o nascimento do cinema e outro pela fundação da Universidade de Stanford:
  • Vídeo curtinho produzido pela Estúdio Escola de Animação explicando os experimentos de Muybridge:
  • O que é movimento?
LINKS INTERESSANTES:

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