Conforme discutido no post anterior, a fotografia do século XX foi profundamente marcada por deslocamentos. Muitos dos nomes mais influentes da história cruzaram fronteiras — por necessidade, inquietação ou desejo — e encontraram, longe de casa, não apenas um novo território, mas uma nova forma de ver. No Brasil, essa dinâmica não foi diferente. Ao longo das décadas, o país atraiu fotógrafos que vieram de fora e, aqui, produziram algumas das imagens mais icônicas de nossa história visual.
Suíços, franceses, húngaros, ingleses, poloneses,
norte-americanos. Muitos chegaram como imigrantes, exilados ou viajantes
curiosos. Alguns ficaram para sempre, outros partiram após deixar um legado.
Mas todos, à sua maneira, contribuíram para moldar o imaginário visual do
Brasil — com um olhar estrangeiro que, por vezes, enxergava o que os olhos
locais já não viam.
No Brasil, o cenário não foi diferente. Parte considerável
do patrimônio visual do país foi produzida por estrangeiros que decidiram
permanecer, viver e criar aqui. Não se trata de viajantes ocasionais nem de
olhares exóticos sobre a alteridade tropical. Trata-se de autores que
enraizaram sua visão no cotidiano brasileiro, que aceitaram o risco de se
deixar afetar pela cultura local — e que, em troca, deixaram uma obra
incontornável.
CLAUDE LÉVI-STRAUSS (1908-2009)
Mais conhecido por sua obra antropológica, o pensador belga também produziu um importante acervo fotográfico durante suas expedições aos sertões brasileiros nos anos 1930. As imagens que captou — com uma Leica — revelam o mesmo rigor formal e respeito ao objeto que marcaram seus textos. O Brasil, para Lévi-Strauss, não foi apenas campo de estudo, mas uma revelação estética.
PIERRE VERGER (1902-1996)
Francês de nascimento, baiano por afinidade. Verger chegou ao Brasil em 1946 e nunca mais se desvinculou da cultura afro-brasileira. Suas imagens de Salvador, do candomblé e das conexões atlânticas com a África Ocidental são documentos de rara beleza e importância histórica. A delicadeza com que se aproximou dos rituais religiosos é, até hoje, uma referência ética para quem fotografa o outro.
JEAN MANZON (1915-1990)
O francês Jean Manzon teve papel decisivo na construção da imagem moderna do Brasil. Trabalhou intensamente para a revista O Cruzeiro, onde estabeleceu um estilo que conjugava fotogenia publicitária e realismo institucional. Seu Brasil era monumental, progressista, pronto para a câmera.
THOMAS FARKAS (1924-2011)
Nascido na Hungria, Farkas chegou ao Brasil ainda criança e se tornaria uma das figuras centrais da fotografia e do cinema documental no país. Atravessou as décadas com elegância técnica e curiosidade humanista, da fotografia moderna à invenção de linguagens audiovisuais colaborativas nos anos 1970.
DAVID DREW ZINGG (1923-2000)
Americano de Nova Jersey, foi um dos primeiros a captar a energia cultural do Brasil dos anos 1960. Fotografou com intimidade figuras como Tom Jobim e Vinicius de Moraes. A partir de sua lente, o Brasil se revelava pop, jovem e cosmopolita — sem deixar de ser profundamente local.
STEFANIA BRIL (1922-1992)
Polonesa de nascimento, Stefania Bril chegou ao Brasil nos anos 1950 e tornou-se figura-chave na cena fotográfica paulista. Como crítica, curadora e organizadora de encontros, ajudou a consolidar um campo reflexivo para a fotografia no país. Sua produção autoral, marcada pelo interesse no cotidiano urbano, foi redescoberta apenas recentemente — e merece ser estudada com atenção.
MARCEL GAUTHEROT (1910-1996)
Formado em arquitetura na França, Gautherot encontrou no Brasil sua grande paisagem. Documentou a construção de Brasília com um rigor geométrico que aliava informação e expressão. Mas sua obra vai além: das festas populares ao cotidiano amazônico, criou um dos acervos mais importantes da história visual do país.
HILDEGARD ROSENTHAL (1913-1990)
Suíça, formada em Frankfurt, Rosenthal foi uma das primeiras mulheres fotojornalistas do Brasil. Registrou a transformação urbana de São Paulo nas décadas de 1940 e 1950 com uma combinação notável de precisão documental e sensibilidade para o instante decisivo.
CLAUDIA ANDUJAR (1931-)
Nascida Claudine Haas, na Suíça, Claudia Andujar chegou ao Brasil em 1955 e, duas décadas depois, já havia transformado seu nome em sinônimo de compromisso ético e rigor estético. Naturalizada brasileira em 1976, dedicou-se obsessivamente à documentação dos povos Yanomami. Sua fotografia não ilustra o outro: interpela. Através de filtros, flashs e tempos longos, construiu uma linguagem visual capaz de expressar o invisível — e fez da imagem uma forma de ativismo político.
MAUREEN BISILLIAT (1931-)
Inglesa de origem, Bisilliat construiu no Brasil uma
carreira singular: aproximou fotografia e literatura como poucos. Seus projetos
dialogam com Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Euclides da Cunha — e
resultam em obras onde a imagem não ilustra, mas prolonga o texto. A
fotografia, em suas mãos, torna-se linguagem ensaística.
Orlando Azevedo (1949– )
Nascido na ilha do Pico, nos Açores, migrou para o Brasil com a família ainda na infância. Radicado em Curitiba, construiu uma carreira sólida na fotografia documental e artística, com projetos autorais que exploram temas como identidade, território e ancestralidade. Sua série Expedição ao Coração do Brasil, resultado de uma jornada de 11 mil km pelo interior do país, é uma das mais relevantes da fotografia brasileira contemporânea.
Emidio Luisi (1942– )
Italiano de nascimento e brasileiro por escolha, Luisi vive em São Paulo desde os anos 1950. Fotógrafo dedicado às artes cênicas, especialmente ao teatro, produziu um extenso acervo de retratos e registros de espetáculos que se tornaram fundamentais para a memória visual da cena cultural paulista. Também atuou no fotojornalismo e em projetos sociais, com olhar humanista e comprometido.
O Brasil, como se vê, não foi apenas tema para estrangeiros
encantados com o exotismo tropical. Foi território fértil para um engajamento
visual complexo, sensível, muitas vezes político. Esses fotógrafos não vieram
apenas ver — vieram ficar. E, ao fazê-lo, ajudaram a ver o Brasil por dentro,
como ele nunca havia sido visto antes.
Como é bom ver o nosso país através das lentes de fotógrafos que vieram de longe e aprenderam a apreciar e registrar nosso povo e cultura. Parabéns pelo texto, Gigi! Aprendendo mais sobre fotografia com você. Obrigada.
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