Monday, September 8, 2025

WILLIAM KLEIN (REVISITADO)

"Sempre amei o lado amador da fotografia, fotografias automáticas, fotografias acidentais com composições não centralizadas, cabeças cortadas, o que quer que seja. Eu incito as pessoas a fazerem seus autorretratos. Me vejo como sua cabine fotográfica ambulante." (William Klein)

Este novo post substitui o anterior, oferecendo um panorama mais completo da trajetória de William Klein, um dos artistas mais inventivos e inquietos do século XX. Sua obra se estende muito além da fotografia de rua: envolve moda, cinema, livros marcantes e uma abordagem visual que redefiniu a forma como vemos o mundo.

William Klein nasceu em 1928 em Nova York, em uma família judaica humilde de origem húngara. Após concluir os estudos, alistou-se no exército e foi posicionado na Alemanha e na França. Em Paris, decidiu permanecer depois da dispensa, estabelecendo-se definitivamente na cidade que se tornaria sua base criativa. Faleceu em 2022, aos 96 anos, deixando um legado imenso.

Antes da fotografia, Klein estudou pintura com Fernand Léger e conquistou reconhecimento ainda jovem com suas obras. Em seguida, passou para a fotografia, colaborando com a Vogue, onde revolucionou a estética da moda ao introduzir movimento, espontaneidade e até ironia em um campo até então rígido e glamouroso. Seu trabalho ganhou fama justamente por rejeitar convenções e se aproximar de uma linguagem mais livre, natural e até provocativa.

A ausência de uma formação formal em fotografia não o impediu de receber inúmeros prêmios, a começar pelo Prix Nadar, em 1957, concedido por seu livro sobre Nova York. Klein foi considerado revolucionário por sua abordagem ambivalente do mundo da moda e por uma estética radical: preferia a luz natural, explorava teleobjetivas e grandes angulares e não tinha medo do borrado, do tremido, do grão — recursos que transformava em estilo.

FOTOGRAFIA DE RUA

Com o livro Life is Good & Good for You in New York (1956), Klein mostrou uma cidade pulsante e caótica, em contraste com a ordem e a clareza que dominavam a fotografia documental da época. Seu olhar ousado, irônico e visceral aproximava o espectador da própria experiência urbana. Ao lado de Robert Frank, Klein é considerado um dos pais da fotografia de rua moderna.

FOTOGRAFIA DE MODA

Enquanto explorava as ruas com sua câmera, Klein também reinventava a fotografia de moda — um território até então marcado pela rigidez e pelo glamour cuidadosamente controlado. Trabalhando para a Vogue nas décadas de 1950 e 1960, ele introduziu algo inédito: editoriais cheios de energia, quase cinematográficos, em que modelos apareciam em movimento, rindo, gesticulando ou interagindo de maneira espontânea. Em vez da pose impecável e distante que dominava a época, Klein apostou no improviso, no inesperado, no humor.

Sua abordagem trouxe para as páginas da moda a mesma ousadia que aplicava nas ruas: enquadramentos ousados, cortes abruptos, uso radical do grande angular e até imagens propositalmente borradas. Ao invés de congelar a elegância em um pedestal, Klein a colocava em movimento, dissolvendo as fronteiras entre a artificialidade do estúdio e a vitalidade da vida real.

Esse choque estético não só modernizou a linguagem da moda, mas também abriu espaço para que ela se tornasse mais acessível, mais próxima do público. Klein mostrou que beleza podia estar no riso desarmado, no gesto inesperado, na imperfeição que revelava autenticidade. Não por acaso, influenciou profundamente nomes como Mario Testino, que sempre reconheceu nele uma inspiração direta — sobretudo nessa capacidade de unir glamour e humanidade em uma mesma imagem.

LIVROS E PROJETOS PRINCIPAIS

  • Life is Good & Good for You in New York (1956): obra-prima que mudou os rumos da fotografia de rua, premiada com o Prix Nadar.

  • Rome (1959): um retrato da cidade italiana em sua vitalidade cotidiana.

  • Tokyo (1964): o Japão em plena modernização, captado em imagens vibrantes que misturam tradição e modernidade.

  • Moscow (1964): uma visão não convencional da União Soviética em plena Guerra Fria.

  • Paris + Klein (2002): um retorno à cidade que se tornou seu lar, celebrando décadas de observação.

CINEMA E TELEVISÃO

Klein também deixou uma contribuição significativa para o cinema e a publicidade. Dirigiu filmes de ficção e documentários, além de produzir mais de 250 comerciais de TV. Sua linguagem cinematográfica carregava a mesma energia subversiva de suas fotografias, explorando cortes rápidos, humor ácido e crítica social.

UM LEGADO SEM FRONTEIRAS

William Klein foi um criador indomável, que nunca aceitou regras estabelecidas. Fez da imperfeição um estilo e da experimentação uma assinatura. Suas imagens — borradas, tremidas, explosivas — são testemunhos da vida em movimento. Entre a moda e a rua, entre Nova York e Paris, entre livros e filmes, construiu uma obra que ainda hoje inspira artistas, fotógrafos e cineastas.

Klein morreu em 2022, mas deixou para trás um legado monumental. Mais do que um fotógrafo, foi um revolucionário que ampliou as possibilidades do olhar, transformando a fotografia em uma experiência de choque, ironia e vitalidade.

LEITURAS INTERESSANTES

Friday, September 5, 2025

UM MARCO NO ENSAIO FOTOJORNALÍSTICO | COUNTRY DOCTOR DE W. EUGENE SMITH

“Ele estava sempre presente. Estava sempre nas sombras. Eu fazia a apresentação e depois seguia com meu trabalho como se ele fosse apenas uma maçaneta.” - Dr. Ernest Ceriani (falando de  W. Eugene Smith)

Quando a revista Life publicou Country Doctor em 1948, a intenção parecia clara: responder a uma preocupação crescente da medicina norte-americana. A American Medical Association (AMA) havia solicitado à revista que abordasse o problema da falta de clínicos gerais em áreas rurais — cada vez mais médicos preferiam se especializar e estabelecer carreira nas grandes cidades, deixando pequenas comunidades sem assistência. Ao mesmo tempo, a discussão sobre sistemas de saúde pública ganhava força, com os Estados Unidos tentando seguir a tendência europeia de caminhar em direção a uma cobertura universal. Era, portanto, um tema de política médica e social, mais do que um simples retrato de um profissional.

O escolhido para protagonizar essa reportagem foi o Dr. Ernest Ceriani, um clínico geral de 32 anos que atendia sozinho uma comunidade de duas mil pessoas em Kremmling, uma cidade isolada no interior do Colorado. Jovem, dinâmico e fotogênico o suficiente para atrair os leitores da Life, Ceriani foi indicado pela Sociedade Médica do Colorado como representante exemplar de uma categoria que se tornava cada vez mais rara.

A revista enviou para lá W. Eugene Smith, já conhecido por seu perfeccionismo e pela habilidade de transformar a vida comum em narrativa épica. Ele permaneceu 23 dias em Kremmling, acompanhando cada passo do médico. Sua estratégia era clara: colar-se a Ceriani até que sua presença deixasse de ser notada, ganhando liberdade para registrar tanto os momentos de heroísmo quanto os de exaustão e fragilidade. O resultado foi uma cobertura que, de início, incomodou tanto o médico quanto seus pacientes, mas que aos poucos se transformou em convivência quase invisível.

Smith entregou 200 fotografias à Life. A revista publicou apenas 27. Ainda assim, foi o suficiente para transformar o Dr. Ceriani em celebridade instantânea: para milhões de leitores — a Life tinha então mais de vinte milhões de assinantes —, ele passou a encarnar os melhores aspectos da dedicação humana. A narrativa visual de Smith elevava a figura de um médico de cidade pequena a um patamar quase mítico, em que cada gesto era carregado de dignidade.

Mas o efeito da reportagem foi paradoxal. Se por um lado Country Doctor entrou para a história como um marco no ensaio fotojornalístico — com sua narrativa construída de forma quase literária, costurada pela visão rigorosa e empática de Smith —, por outro falhou em cumprir o objetivo original da AMA. O público ficou tão fascinado pela figura do Dr. Ceriani que ignorou a questão estrutural: a crise na medicina rural norte-americana. A história que deveria funcionar como alerta social acabou funcionando como elegia a uma profissão em vias de desaparecer.

É nesse ponto que reside a força e a ironia de Country Doctor. Ele permanece como um dos ensaios mais estudados de todos os tempos não apenas pela maestria formal, mas também porque cristalizou em imagens a beleza e a tragédia de algo que já estava se tornando passado. O olhar de Smith, capaz de transformar o comum em heroico, deu a Ceriani a imortalidade fotográfica — e ao mesmo tempo selou, quase sem querer, o registro de um modo de vida em extinção.

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