Saturday, September 13, 2025

OS AMERICANOS DE ROBERT FRANK

Não dá para falar de Robert Frank sem mencionar Os Americanos. Mais do que pioneiro, é um daqueles raros livros que atravessam décadas sem perder a força — desde sua publicação em 1958, vem sendo considerado, sem exagero, um dos mais importantes da história da fotografia. O livro não apenas marcou uma época: ele redefiniu o que significava olhar para um país através da câmera.

Frank nasceu em 1924, na Suíça, e mudou-se para os Estados Unidos em 1947. Estava, portanto, no país há menos de dez anos quando iniciou as viagens que culminariam em The Americans. Inspirado pelo livro Fabrik (1943), do conterrâneo Jakob Tuggener, por The English at Home (1936), de Bill Brandt, e por American Photographs (1938), de Walker Evans, Frank já tinha em mente um projeto com destino certo: um livro. Com recomendações de figuras como Evans, Alexey Brodovitch, Edward Steichen e Meyer Schapiro, conquistou, em 1955, uma prestigiosa bolsa Guggenheim Fellowship, que lhe permitiu atravessar os Estados Unidos fotografando “todas as camadas da sociedade”.

A América dos anos 1950 vivia uma era de crescimento, prosperidade e otimismo. O carro — ícone da mobilidade e da liberdade — já era o símbolo da década, e viajar de automóvel pelo país inteiro estava no imaginário popular. Mas Frank percebeu cedo que essa narrativa era apenas uma vitrine polida. Não eram todos que usufruíam do chamado “American way of life”, e suas fotografias revelam o outro lado: o silêncio, a segregação, a solidão.

Foram cerca de dois anos de estrada, entre 1955 e 1957. Frank percorreu cidades como Detroit, Savannah, Nova Orleans, Houston, Los Angeles, Reno, Chicago. Tirou aproximadamente 28 mil fotografias, equivalentes a 780 rolos de filme com 36 poses. E desse oceano de imagens, apenas 83 entraram no livro. A matemática é implacável: para cada 337 fotografias feitas, apenas uma sobreviveu ao corte. Esse rigor na edição, aliado à convicção de que o destino do trabalho seria um fotolivro — e não um conjunto disperso de imagens — deu a The Americans um peso estrutural e narrativo inédito.

Os elementos recorrentes são emblemáticos: bandeiras norte-americanas, onipresentes e ambíguas; jukeboxes que parecem santuários modernos; televisores ligados; funerais e desfiles cívicos que carregam tanto solenidade quanto vazio. São imagens em que o extraordinário surge justamente no banal — e no modo como esse banal revela a fragilidade do sonho americano.

Não surpreende que Walker Evans seja citado como mentor e influência. Evans havia publicado American Photographs duas décadas antes, mas onde Evans era clínico, Frank foi febril. A cadência das imagens em The Americans é mais próxima do jazz do que da antropologia visual: sincopada, fragmentária, surpreendente. Jack Kerouac, ícone da geração beat, captou isso no prefácio que escreveu para a edição americana de 1959. Com sua prosa suada e acelerada, Kerouac intuiu que Frank havia construído um retrato das entranhas do país — “com o olho que vê tudo e que não julga”.

A influência do livro foi — e continua sendo — profunda. Jason Eskenazi, por exemplo, trabalhou como segurança em uma exposição de Frank no Metropolitan Museum. Ali, quase como um discípulo em retiro, leu e releu The Americans até decorar a sequência das imagens e questionou visitantes famosos, como Mary Ellen Mark, sobre qual era a fotografia preferida deles. Muitos fotógrafos narram histórias semelhantes: o livro foi o ponto de virada, o “momento pivotal” que os fez escolher a fotografia como destino.

Vale lembrar também sua inovação na forma. Ao contrário de organizar o material segundo critérios geográficos ou cronológicos, Frank construiu o livro a partir de um fio visual e intuitivo, quase musical. A ordem das imagens importa — e muito. The Americans não mostra os Estados Unidos como o país gostaria de ser visto, mas como Frank o enxergou: fragmentado, melancólico, cheio de arestas.

Talvez seja aqui que a crítica à teoria vazia se encaixe. Muito se lê, até hoje, sobre fotografia a partir de intelectuais como Susan Sontag, Roland Barthes e John Berger — nomes celebrados, mas muitas vezes alheios à prática fotográfica em si. Enquanto Sontag escrevia ensaios de quarto fechado sobre a “doença da imagem”, Frank estava na estrada, selecionando uma foto a cada 337 cliques, construindo um livro que se tornou não apenas teoria, mas prática encarnada. A verdadeira aula está na sequência de The Americans, não em frases de efeito.

No Brasil, uma edição publicada em português pelo Instituto Moreira Salles, em parceria com a editora alemã Steidl, tornou possível que novas gerações tenham acesso a esse marco absoluto da fotografia. Porque The Americans não é apenas um livro sobre um país: é um livro sobre o poder da fotografia de revelar aquilo que a superfície tenta esconder.

  • Vídeo de Rafael Bosco Vieira mostrando o livro:



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