“Para fazer um filme inteiramente por conta própria, como eu fiz no início da carreira, talvez você não precise saber muita coisa sobre o resto — mas precisa saber de fotografia.”— Stanley Kubrick
Entre 1946 e 1951, Kubrick percorreu Nova York como fotógrafo da Look, transformando a metrópole em um laboratório visual. Seus ensaios revelam uma fixação pelo detalhe, pela composição geométrica e pelo drama condensado em pequenos gestos. Em “Prizefighter”, de 1949, acompanha a rotina de um boxeador de segunda linha, não pelo glamour do ringue, mas pela dureza dos treinos, pelo suor dos vestiários, pela solidão após o espetáculo. Já em “Life and Love on the New York Subway”, de 1947, suas lentes capturam casais e estranhos comprimidos no vagão subterrâneo, como se cada olhar fugidio fosse o fragmento de um enredo maior. O paralelo imediato é com Many Are Called, de Walker Evans, fotolivro que reuniu imagens clandestinas feitas no metrô de Nova York nos anos 1930 e 40. Evans perseguia a honestidade absoluta do anonimato, enquanto Kubrick, embora em contexto editorial, explorava a teatralidade implícita na convivência forçada dos passageiros. Ambos revelaram, cada um à sua maneira, o metrô como palco da vida urbana – lugar de anonimato coletivo e de histórias íntimas em suspensão. Até em cenas aparentemente banais – um vendedor de sapatos, um casal em um encontro desajeitado, uma criança à espera – percebe-se o rigor quase matemático da construção da imagem e o faro clínico para o comportamento humano.
Essas fotografias, embora publicadas em uma revista popular, trazem algo que as diferencia do fotojornalismo típico da época. Kubrick não estava interessado em congelar o instante decisivo à maneira de Cartier-Bresson, nem em dramatizar a miséria urbana como Weegee. Seu interesse residia na mise-en-scène da vida real: a forma como a luz, o enquadramento e a repetição dos gestos transformavam o banal em espetáculo silencioso. Era, em essência, a prática de um cineasta ainda preso à fotografia.
Antes de conquistar Hollywood com narrativas visuais de precisão implacável, Kubrick ensaiava na Look o vocabulário que mais tarde reconhecemos em 2001: Uma Odisseia no Espaço ou O Iluminado: a geometria da cena, a ironia subjacente, a inquietação diante do humano. Suas imagens de juventude mostram que ele nunca deixou de ser fotógrafo; apenas ampliou a moldura, trocando a página impressa pela tela de cinema.
VÍDEOS INTERESSANTES:
- Livro "Through a Different Lens: Stanley Kubrick Photographs:
- Show & Tell Episódio 20 - A Fotografia de Stanley Kubrick (Stephen Leslie):
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