Thursday, August 28, 2025

UMA BREVE HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA NO MoMA

A história da fotografia nos museus de arte não pode ser contada sem mencionar o Museum of Modern Art de Nova York. Foi ali que, em 1940, nasceu o primeiro departamento dedicado exclusivamente à fotografia em uma grande instituição, mudando para sempre o lugar da imagem fotográfica na cultura.

O caminho começou alguns anos antes, em 1937, quando o historiador Beaumont Newhall organizou a exposição “Photography 1839–1937”. Não foi apenas um panorama técnico ou documental, mas uma narrativa histórica que situava a fotografia como linguagem estética. O sucesso da mostra levou à criação oficial do Department of Photography, com Newhall como seu primeiro curador.

Em 1947, o cargo passou para Edward Steichen, que permaneceu até 1962. Se Newhall tinha um perfil acadêmico, Steichen buscava alcance popular. Sua curadoria transformou o MoMA em palco de exposições de grande apelo público, como a célebre “The Family of Man” (1955), que viajou por dezenas de países e foi vista por milhões de pessoas. Amada por uns e criticada por outros, essa exposição marcou a crença de Steichen na fotografia como linguagem universal, capaz de despertar empatia entre povos e culturas.

A fase seguinte, sob a direção de John Szarkowski (1962–1991), redefiniu completamente a fotografia moderna. Ele foi responsável por apresentar nomes como Diane Arbus, Garry Winogrand, Lee Friedlander e William Eggleston, organizando mostras que se tornaram referências canônicas, como “New Documents” (1967) e “William Eggleston’s Guide” (1976). Szarkowski deslocou o eixo da fotografia documental para uma fotografia autoral, interpretando-a como uma arte com gramática própria — uma guinada que ecoou por gerações.

Nos anos 1990, o departamento foi liderado por Peter Galassi (1991–2011), que expandiu o acervo e intensificou os diálogos entre fotografia e outras artes modernas. Com ele, o MoMA consolidou uma coleção de alcance histórico e contemporâneo. Mais tarde, sob curadores como Quentin Bajac e, hoje, Clément Chéroux, a instituição passou a adotar uma perspectiva mais internacional, descentralizando o foco dos Estados Unidos e da Europa para incluir narrativas globais.

O Department of Photography do MoMA não apenas legitimou a fotografia como arte, mas também construiu grande parte do cânone visual do século XX. Suas escolhas moldaram o gosto do público, influenciaram coleções ao redor do mundo e definiram como a história da fotografia seria contada. Um legado imenso, que continua em disputa, revisitado e ampliado a cada nova curadoria.

Beaumont Newhall com Ansel Adams

Edward Steichen
John Szarkowski
Peter Galassi
Clément Chéroux
Quentin Bajac

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Friday, August 22, 2025

THE CRUEL RADIANCE (O BRILHO CRUEL) | FOTOGRAFIA E VIOLÊNCIA POLÍTICA

Publicado em 2010 pela University of Chicago Press — e que, infelizmente, nunca foi traduzido para o português nem lançado no Brasil — The Cruel Radiance: Photography and Political Violence, de Susie Linfield, tornou-se uma das mais lúcidas defesas contemporâneas da fotografia documental. Finalista do National Book Critics Circle Award na categoria Criticism e vencedor do Berlin Prize, o livro recusa a desconfiança generalizada que paira sobre imagens de sofrimento — frequentemente vistas como espetaculares, manipuladoras ou moralmente suspeitas. Para Linfield, olhar, mesmo com desconforto, pode ser uma forma de compromisso com o mundo.

Susie Linfield (1955-) é crítica cultural, ensaísta e professora da New York University, onde dirige o programa de estudos culturais. Com formação em literatura e jornalismo, escreve sobre fotografia, ética e política em veículos como The New York Times, Dissent, Aperture e The Nation. Seu pensamento busca um equilíbrio raro: intelectual, mas não hermético; político, mas não panfletário; rigoroso, mas nunca cínico.

A autora escreve contra a corrente — e sabe disso. Seu livro é, em parte, uma resposta à tradição teórica que tratou a fotografia documental com suspeita ou desprezo, especialmente a partir dos anos 1970. Linfield cita nomes como Susan Sontag, Roland Barthes e John Berger, que, sob diferentes perspectivas, difundiram a ideia de que imagens de sofrimento não apenas fracassam em gerar empatia ou mudança, como correm o risco de transformar a dor alheia em espetáculo voyeurístico. É uma crítica que se pretende ética, mas que Linfield enxerga, no fundo, como um gesto de desistência moral.

Ao contrário desses autores, Linfield acredita que as imagens documentais não apenas podem ter valor moral — elas devem. E mais: a recusa em olhar para essas imagens, argumenta, é muitas vezes uma forma de blindagem emocional travestida de lucidez crítica. Não é o excesso de empatia o problema, e sim o medo de ser afetado.

Essa escolha a coloca num terreno incômodo: ela não romantiza a fotografia de guerra, não exime fotógrafos de suas ambiguidades e tampouco idealiza o poder transformador da imagem. Reconhece que fotografias podem ser mal usadas, mal interpretadas, manipuladas. Mas, diante do horror do mundo, propõe algo simples e profundamente contracultural: que a fotografia — mesmo em sua crueldade e ambiguidade — ainda é uma forma de pensar o real.

Não se trata de redimir imagens pela emoção ou estética, mas de sustentá-las no campo do pensamento. Em vez de fugir da complexidade ética de expor a dor alheia, Linfield entra nela de olhos abertos. Ao fazer isso, devolve à fotografia documental algo que muitos teóricos haviam negado: a possibilidade de ser levada a sério, não como prova absoluta ou arte superior, mas como campo de reflexão e responsabilidade.

ENTRE O SILÊNCIO E O GRITO

Um dos méritos do livro é articular pensamento e imagem a partir de exemplos concretos. O ensaio ancora-se em casos que tornam o debate mais denso, mais humano — e inevitavelmente mais desconfortável. Logo no início, Linfield descreve uma imagem feita por Heinrich Jöst, soldado da Wehrmacht que, em 1941, visitou o gueto de Varsóvia e fotografou judeus famintos e degradados pela violência nazista. A imagem — seca, frontal, talvez até indiferente — não foi feita por compaixão, muito menos por denúncia. E ainda assim sobrevive como documento. Linfield pergunta: o que fazer com uma imagem criada por um agente do próprio mal? E mais: é possível olhá-la eticamente, mesmo sabendo quem apertou o botão?

Essa questão ressoa ao longo do livro: muitas imagens não nascem de boas intenções, mas isso não as torna automaticamente inúteis ou imorais. A questão, para Linfield, não está apenas no fotógrafo, mas na nossa disposição em olhar de forma responsável. Sua coragem intelectual está aí: não exigir pureza nem do fotógrafo, nem do espectador — mas exigir consciência e rigor.

No capítulo dedicado à China, Linfield mergulha no trabalho de Li Zhensheng, fotojornalista que registrou os horrores da Revolução Cultural sob Mao Tsé-Tung. Zhensheng trabalhou dentro do sistema — como fotógrafo oficial do regime — e, ainda assim, preservou imagens que contrariavam a propaganda: humilhações públicas, prisões arbitrárias, violência social. Essas fotografias são preciosas não por exibir compaixão, mas por testemunhar uma era em que a imagem era arma a serviço da mentira.

Ao comentar o silêncio cúmplice de tantos intelectuais ocidentais diante dos crimes do maoísmo, Linfield cita um nome emblemático: André Malraux. O escritor francês, outrora referência de engajamento político e literário, tornou-se ministro da Cultura sob De Gaulle e — como tantos de sua geração — se calou ou relativizou os horrores do comunismo chinês. Linfield lembra que Malraux, que condenara os campos nazistas, não teve o mesmo ímpeto diante das purgas e torturas de Mao. Aponta, assim, o duplo padrão de indignação de parte da esquerda intelectual — que muitas vezes só reconhece a crueldade quando vem do “inimigo ideológico”.

Ao resgatar figuras como Jöst, Zhensheng e Malraux, Linfield mostra que a fotografia é menos reflexo moral de seu autor do que campo de disputa de sentido. O valor ético de uma imagem não está apenas em quem a produziu, mas em como ela circula, é lida e sustentada com pensamento.

O OLHAR QUE PERSISTE

Ao longo do livro, Linfield propõe que uma crítica fotográfica verdadeiramente ética não nasça do nojo moralizante, mas da atenção profunda. Isso se evidencia nos capítulos sobre alguns dos fotógrafos de guerra mais reconhecidos das últimas décadas.

James Nachtwey, talvez o mais emblemático “testemunhador profissional” da dor alheia, é conhecido por imagens cuidadosamente compostas, de uma beleza que por vezes parece entrar em conflito com o conteúdo: soldados feridos, civis mutilados, crianças famintas. Linfield reconhece essa tensão — e a defende. Para ela, a estética de Nachtwey não embeleza o horror, mas nos obriga a encará-lo sem desviar. Ao contrário da crítica fácil que o acusa de estilizar a dor, Linfield vê na formalidade de suas imagens um chamado à atenção.

Já em Gilles Peress, o que interessa é a recusa em narrar o sofrimento como linha reta. Peress fotografa o caos — o luto, a raiva, a confusão da guerra. Em seus trabalhos sobre Ruanda e Bósnia, não há heróis nem mártires: há entrega ao turbilhão. Linfield valoriza essa abordagem por ser antiesquemática: Peress não explica, confronta. E é justamente por isso que suas imagens têm força política: não oferecem redenção, apenas presença.

Susan Meiselas, fotógrafa da Magnum, cobriu conflitos na América Central sem jamais apagar sua própria presença. Ao contrário do ideal do fotógrafo invisível, Meiselas se expõe, se envolve, se pergunta. Para Linfield, isso é ética rara: não a da neutralidade, mas a da autoconsciência crítica. Meiselas sabe que fotografar é também mediar — e é justamente ao não negar essa mediação que conquista autoridade.

Robert Capa, mito do fotojornalismo de guerra moderno, surge como elo entre o romantismo da guerra e seu colapso moral. Linfield trata Capa com ambivalência: reconhece heroísmo e importância histórica, mas não poupa as ambiguidades de seu estilo por vezes sedutor demais. Ainda assim, insiste que seu legado — estar lá, se arriscar, acreditar que a imagem pode fazer diferença — não deve ser descartado com cinismo. Mesmo que suas fotos não tenham mudado o mundo, carregam a esperança teimosa de que ver ainda importa.

Mas nem sempre as imagens de violência nascem das mãos de fotógrafos profissionais. Linfield lembra o caso das fotografias de Abu Ghraib, feitas pelos próprios soldados norte-americanos que torturavam e humilhavam prisioneiros iraquianos. Ao contrário das imagens de Nachtwey, Peress, Meiselas ou Capa, essas não pretendiam testemunhar nem denunciar: eram souvenirs de crueldade, registros privados de uma violência praticada com naturalidade. E, no entanto, elas se tornaram documentos centrais para a compreensão daquele episódio. Para Linfield, o dilema de Abu Ghraib expõe o ponto mais desconfortável de sua defesa da fotografia: mesmo imagens nascidas da brutalidade e da vergonha podem — e talvez devam — ser olhadas. Negá-las não as apaga; apenas nos priva de enfrentar o que revelam sobre nós mesmos.

CONTRA O VAZIO MORAL

Ao final de The Cruel Radiance, o que permanece não é apenas um argumento, mas uma exigência: que tomemos a fotografia a sério — não como arte decorativa nem como documento puro, mas como forma de pensamento. Contra o ceticismo generalizado e o olhar cínico que vê nas imagens de sofrimento apenas consumo moral ou espetáculo, Linfield propõe algo mais difícil: olhar com responsabilidade, sem nos poupar.

Não é um chamado à fé na fotografia, mas à lucidez: ver implica escolher, julgar, responder. Virar o rosto não nos absolve. Se há algo de cruel na radiância dessas imagens, é porque o mundo que elas expõem já o é — e negá-las não o torna menos violento, apenas mais silencioso.

Em tempos de imagem banalizada, descartada ou distorcida, Linfield insiste que ainda podemos — e devemos — exigir dela alguma verdade. Uma verdade instável, talvez, mas real o bastante para nos desestabilizar. Ela nos convida, enfim, a permanecer diante da dor dos outros não para nos sentirmos virtuosos, mas para reconhecer o quanto estamos implicados — como cidadãos, espectadores, parte da história.

Pensar com imagens é também uma forma de não esquecer. E é nesse não esquecimento, imperfeito e incômodo, que ainda pode haver um resíduo de dignidade.


Wednesday, August 20, 2025

AS MULHERES NA FOTOGRAFIA DE RUA

 A fotografia de rua nunca exigiu carteirinha. Para circular com uma câmera e transformar a cidade em imagem, é preciso antes de tudo atenção, constância e um apetite silencioso pelo inesperado. Foi assim que os grandes nomes da street photography construíram seu legado — homens, em sua maioria, mas não exclusivamente. Quando mulheres escolheram a rua como território de expressão, mostraram-se igualmente aptas a lidar com seus desafios: o improviso, a luz instável, os corpos em movimento, o risco. Poucas, sim — mas tão eficazes e contundentes quanto os mestres consagrados.

Vivian Maier (1926-2009) é a mais lembrada hoje. Sua história singular — a babá solitária que produziu milhares de imagens sem mostrá-las a ninguém — a tornou quase mítica. Mas Maier é apenas a face mais visível de uma linhagem discreta e brilhante. Antes dela, Helen Levitt (1913-2009) já havia encontrado nas ruas de Nova York um palco para a poesia visual do cotidiano. Com discrição e leveza, registrava crianças em brincadeiras inventadas, muros desenhados a giz, gestos efêmeros e cenas sem heroísmo. Suas imagens têm o ritmo de uma cidade que pulsa sem alarde, e a leveza de quem sabe que observar bem é mais importante do que interferir. Seu trabalho é uma aula silenciosa sobre composição, tempo e sensibilidade.

Inge Morath (1923-2002), austríaca de olhar refinado, também escolheu a rua como espaço de observação — embora sua obra vá muito além dela. Integrante da agência Magnum, Morath fotografava com humor e elegância. Sua curiosidade era genuína, e seu método, paciente. Encontrava beleza no detalhe, na contradição, no que acontecia entre um passo e outro. A rua, para ela, era menos palco do que cenário de passagens.

Lisette Model (1901-1983) foi ao extremo oposto. Seu olhar era direto, suas imagens intensas. Não buscava harmonia ou doçura: queria presença, peso, matéria. Fotografava corpos em repouso, rostos em suspensão, gestos inesperados. Sua frontalidade influenciou gerações — e provou que a rua também pode ser o lugar do confronto.

Na Paris do pós-guerra, Sabine Weiss (1924-2021) circulava com a discrição dos que sabem observar. Parte da tradição humanista, fotografava gestos sutis, cenas íntimas, luzes oblíquas. Sua câmera revelava a beleza de coisas pequenas: uma mão segurando um chapéu, uma criança no contraluz, um silêncio entre dois olhares. Sua obra é uma meditação visual sobre o cotidiano — e sobre a delicadeza de estar presente.

Essas mulheres são apenas alguns exemplos e não reescreveram as regras da fotografia de rua — apenas provaram, com prática e consistência, que elas nunca foram exclusivas de ninguém. Fizeram o que os melhores sempre fizeram: olhar, insistir, compor, tentar de novo. E com isso, deixaram obras que continuam a inspirar novas gerações.

A rua nunca foi território reservado. Ela está aberta a quem quiser vê-la — e souber persistir. Para quem deseja fotografá-la, não há outro caminho senão este: sair, observar e fotografar. Uma imagem de cada vez.

Helen Levitt (1913-2009)
Helen Levitt (1913-2009)
Inge Morath (1923-2002)
Inge Morath (1923-2002)
Inge Morath (1923-2002)
Sabine Weiss (1924-2021)
Sabine Weiss (1924-2021)
Sabine Weiss (1924-2021)
Lisette Model (1901-1983)
Lisette Model (1901-1983)
Lisette Model (1901-1983)
Vivian Maier (1926-2009)
Vivian Maier (1926-2009)
Vivian Maier (1926-2009)
Vivian Maier (1926-2009)
Helen Levitt (1913-2009)

Wednesday, August 13, 2025

O OLHAR ESTRANGEIRO SOBRE O BRASIL

Conforme discutido no post anterior, a fotografia do século XX foi profundamente marcada por deslocamentos. Muitos dos nomes mais influentes da história cruzaram fronteiras — por necessidade, inquietação ou desejo — e encontraram, longe de casa, não apenas um novo território, mas uma nova forma de ver. No Brasil, essa dinâmica não foi diferente. Ao longo das décadas, o país atraiu fotógrafos que vieram de fora e, aqui, produziram algumas das imagens mais icônicas de nossa história visual.

Suíços, franceses, húngaros, ingleses, poloneses, norte-americanos. Muitos chegaram como imigrantes, exilados ou viajantes curiosos. Alguns ficaram para sempre, outros partiram após deixar um legado. Mas todos, à sua maneira, contribuíram para moldar o imaginário visual do Brasil — com um olhar estrangeiro que, por vezes, enxergava o que os olhos locais já não viam.

No Brasil, o cenário não foi diferente. Parte considerável do patrimônio visual do país foi produzida por estrangeiros que decidiram permanecer, viver e criar aqui. Não se trata de viajantes ocasionais nem de olhares exóticos sobre a alteridade tropical. Trata-se de autores que enraizaram sua visão no cotidiano brasileiro, que aceitaram o risco de se deixar afetar pela cultura local — e que, em troca, deixaram uma obra incontornável.

CLAUDE LÉVI-STRAUSS (1908-2009)

Mais conhecido por sua obra antropológica, o pensador belga também produziu um importante acervo fotográfico durante suas expedições aos sertões brasileiros nos anos 1930. As imagens que captou — com uma Leica — revelam o mesmo rigor formal e respeito ao objeto que marcaram seus textos. O Brasil, para Lévi-Strauss, não foi apenas campo de estudo, mas uma revelação estética.

PIERRE VERGER (1902-1996)

Francês de nascimento, baiano por afinidade. Verger chegou ao Brasil em 1946 e nunca mais se desvinculou da cultura afro-brasileira. Suas imagens de Salvador, do candomblé e das conexões atlânticas com a África Ocidental são documentos de rara beleza e importância histórica. A delicadeza com que se aproximou dos rituais religiosos é, até hoje, uma referência ética para quem fotografa o outro.

JEAN MANZON (1915-1990)

O francês Jean Manzon teve papel decisivo na construção da imagem moderna do Brasil. Trabalhou intensamente para a revista O Cruzeiro, onde estabeleceu um estilo que conjugava fotogenia publicitária e realismo institucional. Seu Brasil era monumental, progressista, pronto para a câmera.

THOMAS FARKAS (1924-2011)

Nascido na Hungria, Farkas chegou ao Brasil ainda criança e se tornaria uma das figuras centrais da fotografia e do cinema documental no país. Atravessou as décadas com elegância técnica e curiosidade humanista, da fotografia moderna à invenção de linguagens audiovisuais colaborativas nos anos 1970.

DAVID DREW ZINGG (1923-2000)

Americano de Nova Jersey, foi um dos primeiros a captar a energia cultural do Brasil dos anos 1960. Fotografou com intimidade figuras como Tom Jobim e Vinicius de Moraes. A partir de sua lente, o Brasil se revelava pop, jovem e cosmopolita — sem deixar de ser profundamente local.

STEFANIA BRIL (1922-1992)

Polonesa de nascimento, Stefania Bril chegou ao Brasil nos anos 1950 e tornou-se figura-chave na cena fotográfica paulista. Como crítica, curadora e organizadora de encontros, ajudou a consolidar um campo reflexivo para a fotografia no país. Sua produção autoral, marcada pelo interesse no cotidiano urbano, foi redescoberta apenas recentemente — e merece ser estudada com atenção.

MARCEL GAUTHEROT (1910-1996)

Formado em arquitetura na França, Gautherot encontrou no Brasil sua grande paisagem. Documentou a construção de Brasília com um rigor geométrico que aliava informação e expressão. Mas sua obra vai além: das festas populares ao cotidiano amazônico, criou um dos acervos mais importantes da história visual do país.


HILDEGARD ROSENTHAL (1913-1990)

Suíça, formada em Frankfurt, Rosenthal foi uma das primeiras mulheres fotojornalistas do Brasil. Registrou a transformação urbana de São Paulo nas décadas de 1940 e 1950 com uma combinação notável de precisão documental e sensibilidade para o instante decisivo.

CLAUDIA ANDUJAR (1931-)

Nascida Claudine Haas, na Suíça, Claudia Andujar chegou ao Brasil em 1955 e, duas décadas depois, já havia transformado seu nome em sinônimo de compromisso ético e rigor estético. Naturalizada brasileira em 1976, dedicou-se obsessivamente à documentação dos povos Yanomami. Sua fotografia não ilustra o outro: interpela. Através de filtros, flashs e tempos longos, construiu uma linguagem visual capaz de expressar o invisível — e fez da imagem uma forma de ativismo político.

MAUREEN BISILLIAT (1931-)

Inglesa de origem, Bisilliat construiu no Brasil uma carreira singular: aproximou fotografia e literatura como poucos. Seus projetos dialogam com Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Euclides da Cunha — e resultam em obras onde a imagem não ilustra, mas prolonga o texto. A fotografia, em suas mãos, torna-se linguagem ensaística.

Orlando Azevedo (1949– ) 

Nascido na ilha do Pico, nos Açores, migrou para o Brasil com a família ainda na infância. Radicado em Curitiba, construiu uma carreira sólida na fotografia documental e artística, com projetos autorais que exploram temas como identidade, território e ancestralidade. Sua série Expedição ao Coração do Brasil, resultado de uma jornada de 11 mil km pelo interior do país, é uma das mais relevantes da fotografia brasileira contemporânea.

Emidio Luisi (1942– ) 

Italiano de nascimento e brasileiro por escolha, Luisi vive em São Paulo desde os anos 1950. Fotógrafo dedicado às artes cênicas, especialmente ao teatro, produziu um extenso acervo de retratos e registros de espetáculos que se tornaram fundamentais para a memória visual da cena cultural paulista. Também atuou no fotojornalismo e em projetos sociais, com olhar humanista e comprometido.

O Brasil, como se vê, não foi apenas tema para estrangeiros encantados com o exotismo tropical. Foi território fértil para um engajamento visual complexo, sensível, muitas vezes político. Esses fotógrafos não vieram apenas ver — vieram ficar. E, ao fazê-lo, ajudaram a ver o Brasil por dentro, como ele nunca havia sido visto antes.